Crítica: Good Boy


Há um ditado que fala sobre água quente e sapo. Se você jogar um sapo na água fervente, ele vai pular fora assim que tocar sua superfície. Mas, se jogá-lo na água fria e for esquentando gradualmente, o sapo só vai perceber que a fervura quando for tarde demais.

Tal provérbio define bem a temática do horror psicológico norueguês “Good Boy” de 2023, um longa-metragem cujo dinheiro para produção foi arrecadado através de financiamento coletivo e lançado em uma parceria com o streaming Looke.

Nesta história escrita e dirigida por Viljar Bøe, Sigrid (Katrine Lovise Øpstad Fredriksen) é uma estudante de psicologia que tem um encontro com Christian (Gard Løkke), que parece ser um sonho. Elegante, prendado, rico.

Porém, ela descobre que há um rapaz, Frank (Nicolai Narvesen Lied), vivendo exatamente como um cachorro em sua mansão. Convencida a prosseguir com o relacionamento, entra numa espiral de tensão e paranoia cada vez mais trágica.

O filme consegue provar como dá pra fazer uma obra pesadíssima sem recorrer aos recursos audiovisuais tradicionais. Não existe gore, a música de fundo é suave, a paleta de cores é clara, e, mesmo assim, da forma como eles combinam com o enredo e com a interpretação dos atores, tudo gera uma sensação progressiva de suspense e mal-estar brutal.

E interpretação – tanto corporal quanto detalhes faciais e de tons de voz – é importante para acentuar a ideia central: a de micro agressões que crescem de forma contínua. São atitudes sem empatia, e inferiorização com ofensas suaves, disfarçadas de elegância e de uma falsa preocupação com o outro. Um desejo de controle tão profundo por cada pequeno hábito do outro, que leva à vigilância extrema e desumanização.

Em um período como o nosso, no qual micro agressões são uma ferramenta de controle denunciada em muitos ambientes de trabalho e familiares, “Good Boy” tem seu papel social. Porém, usa isso ao extremo e de maneira profunda.

Definitivamente, não é para ser assistido por alguém que esteja em tratamento de alguma condição psicológica ou psiquiátrica mais delicada, por conter um roteiro magistral que provoca, de propósito, um mal estar intenso no telespectador.

Aconselhável apenas para quem gosta das vertentes de terror extremo ou de construção de personagens bastante perturbados. Adoraria ver uma discussão de psicólogos e psiquiatras sobre cada um dos personagens.

Para quem deseja uma opção de terror mais leve, mas que fale do mesmo assunto, aconselho “Garota Infernal” (2009 ). Nele, a protagonista é manipulada pela melhor amiga desde pequena, até precisar encarar uma entidade demoníaca na qual a companheira se transformou.

Assim, vejo “Good Boy” como um filme pesado, porém, necessário. Algo de nicho bem restrito, mas que pode ser usado por espectadores – mentalmente preparados – para ricas discussões sobre como evitar cair em um ciclo de submissão.

por Luiz Cecanecchia – especial para CFNotícias

 

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovido pelo Looke.