Crítica: Maria e João: O Conto das Bruxas


É desnecessário dizer a importância do conto “João e Maria” (Hänsel und Gretel, título alemão) para a cultura popular. Adaptações das mais simples às mais complexas existem aos montes, ao ponto que, para o leitor comum, é quase impossível saber qual a forma original do conto anotado pelos Irmãos Grimm. Curiosamente, isso é um reflexo da própria forma como este chegou até a dupla, propagado via oral, cuja história foi se transformando até que chegou à pessoa que lhes contou – no caso, a esposa de Wilhelm Grimm.

“Maria e João: O Conto das Bruxas” (Gretel & Hansel) é uma releitura deste conto, porém foge do convencional. Na trama, Maria (Sophia Lillis) foge de casa com seu irmão mais novo, João (Sam Leakey), após serem expulsos por sua mãe. Ao se perderem buscando um lugar para ficar, acabam por encontrar a cabana de uma estranha senhora (Alice Krige), a qual a escassez do mundo exterior parece não ter afetado. Lá eles são convidados para permanecer, em troca de trabalho, porém sonhos bizarros começam a perturbar a mente de Maria, levando‑a a descobrir um sinistro segredo.

A história opta por adaptar alguns elementos da trama original e omitir outros. Em primeiro lugar, enquanto na maior parte das histórias, João e Maria têm quase a mesma idade, nesta versão, Maria tem por volta de 16 anos, enquanto seu irmão a metade disso. Em segundo lugar, o filme foca em criar uma atmosfera mais sinistra do que a já existente no conto, e para isso, troca o elemento de tentação da cabana, de uma literal – os doces que atraem a dupla faminta – para um simbólica – a promessa de um novo lar.

O clima sinistro também é reforçado em seus visuais: opta com frequência por cores mais sérias e sombrias e mesmo em cenas muito coloridas, a paleta se foca entre vermelho, marrom e amarelo, criando uma narrativa de colorações que reforçam não só o tom do longa, mas também os próprios elementos da história.

O roteiro carrega uma carga de estranheza impressionante: os figurinos e construções parecem não pertencer a nenhum período histórico, certos objetos de cena e suas posições, as próprias cores, e a música. No caso da última, o uso de sintetizadores e sonoridades artificiais dá um tom particularmente obscuro, e reforçam a ideia da trama se passar num mundo à parte. É necessário ressaltar que o uso dos elementos incomuns cria uma experiência à parte da maioria dos títulos de terror no mercado.

As atuações são poucas, porém merecem elogios: Alice Krige já tem bastante experiência com personagens estranhos ou sinistros, e desta forma sua bruxa encaixa-se perfeitamente na ideia do filme; Sophia Lillis interpreta Maria, mostra que tem potencial e que ainda que existem arestas a serem polidas; no papel de João, Sam Leakey sofre com um problema comum em produções que incluem crianças, quando se a ideia do personagem é ser irritante, acaba parecendo que o ator o faz de maneira ainda pior, mas demonstra muito bem o porquê dos atritos entre os irmãos.

“Maria e João: O Conto das Bruxas” é um excelente filme de terror, com foco em criar um clima de horror ao invés de usar sustos e sanguinolência, o que faz muito bem, sendo atraente tanto para quem valoriza a temática psicológica deste tipo de produção, bem como quem gosta de opções mais cerebrais.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias

*Filme assistido durante Cabine de Imprensa promovida pela Imagem Filmes.