Crítica: Graças a Deus


Produzir obras que abordam os casos de pedofilia dentro da igreja católica é muito delicado, pois envolve diversos fatores a serem considerados, tendo que ser muito cuidadoso para não generalizar, saber a linguagem correta para não desrespeitar os fiéis ou causar reações extremas dos mesmos.

Tendo esse contexto como base, Graças a Deus” (Grâce à Dieu), dirigido pelo aclamado François Ozon, retrata muito bem o tema da pedofilia, cujas histórias, em sua maioria não são denunciadas – seja pela vergonha por parte das vítimas e de suas famílias, ou pelo descaso por parte de algumas instituições religiosas.

A obra deixa bem claro que a trama não é contra os padres em geral ou contra a igreja católica, mas sim contra os casos de pedofilia abafados pelo poder eclesiástico. A narrativa também é inovadora em sua construção, tendo em vista que a maioria dos filmes com essa temática segue um roteiro que já é muito previsível: as famílias descobrem, ficam revoltadas atrás de Justiça e quase sempre não têm o respaldo da igreja.

Nesse quesito François Ozon surpreende por seguir um roteiro diferente, abordando a história muitos anos após os abusos sexuais, as vítimas já com suas famílias formadas e os traumas enraizados ou adormecidos dentro delas.

O roteiro é baseado em fatos reais ocorridos em Lyon, onde um padre abusou de mais de setenta crianças. Justamente pelo fato das vítimas terem famílias e alguns já serem pais é que o trauma volta à tona: pelo medo que seus filhos passem pela mesma situação e os abusadores continuem a agir impunemente.

O primeiro a denunciar é Alexandre Guerin (Melvil Poupaud), que mesmo após ter sido abusado em sua infância pelo padre responsável pela formação eucarística das crianças, não se distanciou da igreja, continuou fiel e ensinando todos os preceitos bíblicos aos seus filhos.

Após Alexandre tomar a iniciativa de denunciar, diversos outros casos foram surgindo, sendo criada até uma associação na qual as vítimas se reuniam para tomarem as decisões sobre os próximos passos a serem seguidos perante a lei.

Outro ponto de destaque é a forma solene como o diretor registra a obra: François é sempre muito criativo nas estéticas de suas produções, como em “Amante Duplo”, “8 mulheres” e “Dentro de casa”. Graças a Deus” não poderia ser diferente e surge em tela com enquadramento fixo, pouca música e sem ruídos, com o diretor dando destaque para os longos diálogos carregados de emoção.

Vale conferir nos cinemas.

por Leandro Conceição – especial para CFNotícias