Crítica: Filhos da Tempestade


Existe na África do Sul, a história de uma jovem, Racheltjie de Beer, que durante uma tempestade de neve – sim, em certas regiões da África, mesmo fora da cobertura do Kilimanjaro, nevam – no meio do século XIX, sacrificou-se para salvar seu irmão mais novo, tampando a entrada de um buraco cavado por um tamanduá em um cupinzeiro, onde a criança se encontrava escondida. Eles foram encontrados pouco tempo depois da tempestade, mas Racheltjie não resistiu.

Esta jovem é considerada uma heroína nacional na África do Sul, e mesmo que haja dúvidas perante à veracidade da história – publicada a primeira vez nos jornais sul-africanos no mesmo período de um ocorrido semelhante na Dakota do Norte – ela é admirada pelos habitantes do país, e é um elemento fundamental da cultura Africâner moderna.

“Filhos da Tempestade” (Children of the Storm), que está disponível na plataforma Cinema Virtual, justamente narra de maneira romantizada a vida e sacrifício de Racheltjie de Beer. Este é o primeiro longa de Matthys Boshoff como diretor e roteirista, o que mostra sua grande habilidade.

Uma das primeiras coisas a se chamar a atenção é sua fotografia: o filme sabe utilizar suas paisagens muito bem, dando panorâmicas sobre o cenário de forma a mostrar a desolação de uma África do Sul longe do que se tornaria sua atual urbanização, contrapondo a solidão da família a uma beleza única da paisagem, o que em conjunto com a narrativa visual, torna a fotografia mais do que mero apetrecho.

Outro elemento fundamental é a trilha sonora. Apesar de não ser tão conhecido, Chris Letcher mostra seu talento no longa, com músicas que se misturam apropriadamente às cenas. Além disso, o uso da música é muito bem pensado, e sabe quando deixar que apenas os sons da cena componham o fundo sonoro.

O roteiro é instigante, no entanto tem momentos confusos, que poderiam ser mais bem trabalhados, e que às vezes deixam personagens ambíguos, mesmo quando suas intenções são, depois de reveladas, sinceras. Por sua vez, há outros que não têm função nenhuma na história, que aparecem e somem com a mesma facilidade.

A atuação é regular. Marius Weyers está longe de sua boa atuação em “Os Deuses devem estar Loucos”, mas ainda assim consegue retratar relativamente bem a questão do pai destruído pela tragédia e afundado no álcool. Por sua vez, Zonika de Vries, como Racheltjie de Beer, faz bem seu papel, e pode ter um futuro favorável na carreira de atuação.

“Filhos da Tempestade” é uma obra interessante para conhecer outra face de um país tão marcado por estereótipos como a África do Sul, e, por sua trama diferente, vale a pena conferir, ainda mais para os fãs de títulos que fogem do mundo hollywoodiano, sem deixar de ser compreensível.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias

*Título assistido via streaming, a convite da Elite Filmes