Crítica: O Homem dos Sonhos


A empresa A24 é conhecida por sua curadoria de filmes independentes que fogem do senso comum. Já Nicolas Cage, após superar uma fase problemática de sua carreira, pode agora ser bem seletivo com as produções das quais participa. Esses dois fatores geram uma grande expectativa com o filme “O Homem dos Sonhos” (Dream Scenario).

Aqui Nicolas interpreta Paul Matthews, um professor universitário sem grande destaque profissional. Porém, sua vida muda quando pessoas, em quantidade progressivamente maior, começam a vê-lo em seus sonhos mais aleatórios. Desejando aproveitar-se dessa fama momentânea, Paul vai descobrir as múltiplas facetas, inclusive as piores, de ser uma celebridade viral.

O conceito de meme foi criado por Richard Dawkin no meio do século 20 em seu livro “O Gene Egoísta”, onde tenta criar um termo para caracterizar padrões mentais com características semelhantes aos genes, isto é, ideias capazes de proliferar, crescer e sofrer mutação.

A era da Internet adicionou a ideia de humor ao conceito de meme, mas as características acima estão presentes na versão atual e se encaixam perfeitamente na situação do protagonista. Podemos até definir o alicerce central do filme como: ”O que acontece quando você vira um meme de Internet, algo não intencional e sem controle algum?”.

Só que memes, em sua própria definição, são ideias que fogem do controle. Um texto, uma imagem, uma gravação, tudo pode viralizar da noite para o dia nas redes atuais, sendo colocados nos contextos mais bizarros e ressignificados na cultura do remix.

Uma música de aniversário pode virar um hino de guerra, um xingamento, uma ameaça, Uma foto sua parar em uma lista de profissionais sem qualquer conexão real com você. Além disso, tirando o material original do seu contexto e sem sabermos os bastidores, os julgamentos mais aleatórios irão ocorrer, inclusive com as próprias redes estimulando você a espalhar e comentar o conteúdo com a maior rapidez e sem discernimento.

Perseguido por amor, ódio ou curiosidade, por coisas que não fez. Ninguém quer ouvir seu conteúdo, você é o conteúdo. Mas haveria um conteúdo significativo por trás da imagem?

Isso nos leva à segunda camada do filme, o desenvolvimento da personalidade do professor. Alguém que deseja ardorosamente a fama, mas nunca produziu diretamente nada de impacto, muito longe da figura do pesquisador rigoroso, do artista dedicado ou mesmo do profissional pró-ativo.

Apenas alguém de ego frágil com ideias próprias que nunca leva adiante (podemos pensar até que ponto  o próprio ambiente acadêmico onde vive desestimula isso), nem possui empatia por seus alunos. A interpretação de Nicolas é fundamental para transmitir essas nuances do personagem, mostrando suas angústias, desejos e reflexões à medida que interage com as situações mais inusitadas.

“O Homem dos Sonhos” traz ainda um diálogo adicional entre essas duas camadas do roteiro, já que as sementes da explicação dos acontecimentos podem estar nas ideias científicas que o professor tanto deseja publicar, porém, ele mesmo não percebe isso, devido a sua preocupação, tão focado no seu ego, que ignora coisas importantes ao seu redor, como a própria família.

Recomendo muito essa comédia dramática que mexe suavemente com a ficção científica e a fantasia e que teve até merecidas indicações ao prêmio Globo de Ouro.

por Luiz Cecanecchia – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Califórnia Filmes.