Crítica: Dogman
“A maquiagem e a poesia que me libertaram das amarras desse mundo”
Existem filmes onde a classificação tradicional fica extremamente limitada, que passeiam por quase todos os gêneros, do suspense à comédia, do drama à fantasia. Algo que ocorre, especialmente, em obras de estudo de personagem, já que situações de todos os tipos ocorrem ao nosso redor e nossa psique vai sendo construída à medida que criamos mecanismos únicos para lidar com esses diferentes momentos.
“Dogman” (Dogman) faz isso com o protagonista Douglas “Doug” Munrow (Caleb Landry Jones). Maltratado ao extremo pela família quando pequeno, com sequelas mentais, sociais e físicas por causa disso, ele encontra nos cachorros e na arte, a força para se reconstruir continuamente.
A trama alterna entre dois períodos: o presente, com Douglas interrogado pela psiquiatra da polícia Evelyn Decker (Jojo T. Gibbs), e o passado, que responda as perguntas da médica.
A relação entre Douglas e os cachorros é extremamente forte, beirando o sobrenatural a forma profunda como eles se entendem. O que leva o protagonista a ser conhecido como “Dogman” (Homem Cachorro) na sua região, tanto pela ajuda que recebe de seus animais no dia a dia, quanto pela capacidade de fazer os serviços de roubo e proteção mais incríveis com o auxílio deles, tratados quase como filhos pelo personagem.
A arte é outra de suas facetas. Uma de suas manifestações é a performance como drag queen, um dos raros instantes em que vê, por algumas horas da semana, seu sonho de ser um artista reconhecido e pago. Um momento que se aproxima do mágico, quando todas as dores deixam de existir.
Família, governo e gangues têm muito em comum nesse cenário, como se fossem o resultado do transbordamento da ganância humana de maneira institucionalizada, até mesmo na religião.
Douglas vai formando sua própria visão do funcionamento da sociedade à medida que une suas duas habilidades e paixões – contato animal e o teatro – para sobreviver nas mais diversas situações de um mundo caótico. Visão esta que vai modificando conforme problemas novos surgem e o protagonista percebe o quão fundo pode ir com suas habilidades.
Certos enquadramentos geram montagens de cenas que multiplicam e mesclam os significados de cada momento. A cenografia, figurino, maquiagem e atuação de Caleb Landry Jones, fazem você mergulhar em sua jornada de sobrevivência e criação de significado em um mundo que deseja unicamente esmagá-lo.
Além de fazer o telespectador derramar um rio de lágrimas em determinados momentos, “Dogman” funciona como estímulo a nossa busca pessoal de sobrevivência e sentido em um planeta que pouco compreendemos. Assim como aprendemos que existem histórias fantásticas que mal imaginamos nas pessoas ao nosso redor, necessitando de empatia para elas realmente se abrirem.
Um dos melhores filmes que assisti em 2023 (a Cabine de Imprensa foi realizada no final do ano passado). Uma aula de como fazer cinema, uma obra prima do diretor Luc Besson.
por Luiz Cecanecchia – especial para CFNotícias
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Diamond Films.