Crítica – Coringa: Delírio a Dois
Os cinemas de todo o país serão palco de exibição de um filme alucinante, violento e cativante. Pois, com a chegada de “Coringa: Delírio a Dois” (Joker: Folie à Deux), a visão do espectador sobre este icônico personagem da cultura pop mundial será distorcida, quebrada e remontada de uma maneira que fará rever os conceitos que dividem a ficção da realidade.
No longa escrito por Scott Silver e Todd Phillips (este, também à frente da direção), temos a continuação dos eventos que ocorreram em “Coringa” (2019), quando o perturbado palhaço mambembe, Arthur Fleck (Joaquim Phoenix), causou o terror e o caos em uma distópica Gotham City. Na nova produção, sabemos que o protagonista está preso há dois anos no Hospital Estadual Arkham, aguardando julgamento por diversas mortes, inclusive uma que foi transmitida ao vivo: a do apresentador de televisão Murray Franklin (Robert De Niro).
Fleck/Coringa será acusado pelo promotor de justiça Harvey Dent (Harry Lawtey) e terá que tentar convencer que sua loucura é algo real, a fim de conseguir escapar da – já dada como certa – sentença de morte. Para isso, contará com a ajuda de uma nova e inesperada aliada, Lee Quinzel (Lady Gaga), que é tão desestabilizada quanto ele.
Vou dar uma dica: evite a todo custo qualquer tipo de material informativo (críticas, vídeos ou comentários) que deem spoilers, pois “Coringa: Delírio a Dois” precisa ser visto sem nenhum conhecimento prévio do que acontecerá em suas cenas, caso contrário, a sua imersão e experiência na narrativa desenvolvida pelo diretor Todd Phillips será perdida.
É um filme denso, psicologicamente provocativo e com diversas cenas de violência (gratuita e/ou justificada). Por este motivo, o espectador deve ir ao cinema ciente que tudo pode acontecer na tela. Não espere alegria e felicidade – embora os personagens principais ostentem maquiagens de palhaços durante parte das cenas, a verdade é que a obra tende a oferecer tristeza e dor, intercaladas de modo muito competente a outros momentos delirantes.
Não digo isso como um ponto negativo, uma vez que a proposta do filme é mostrar como a mente do protagonista funciona, ou pelo menos nos fazer acreditar que estamos entendendo todo a anarquia existente em suas ações.
Lady Gaga – como Lee Quinzel – complementa a loucura em tela, dando vida a uma interna do Hospital que consegue acessar a paixão e desejo de liberdade de Fleck/Coringa, para que tentem conquistar o objetivo de saírem livres pelo mundo, levando sua cruel insanidade por onde passarem.
Basicamente, são dois ambientes principais: um é o Hospital Estadual Arkham, no qual Fleck/Coringa está “internado”, que, na realidade, é mais uma prisão com sessões de torturas promovidas pelos guardas, contra prisioneiros que não possuem nenhuma chance diante a violência que sofrem. A outra locação é o Tribunal onde, diante de um júri popular, todos os fatos sobre o passado de abusos e sofrimento do comediante frustrado serão revelados para o público.
Essa divisão de locais permite visualizar uma dualidade incômoda sobre a violência psicológica e física sofrida pelos detentos no Arkham, em contrapartida à luminosidade dos holofotes da fama durante o julgamento.
O roteiro está tão bem produzido que a narrativa e sua linha de raciocínio nos permitem acompanhar as passagens entre a realidade e a ilusão de Fleck e Quinzel de forma que uma se mistura à outra e, após um tempo, já não sabemos mais em que mundo estamos.
O filme não é um musical, mas a música é parte integrante da produção para ilustrar a transição do entorno verdadeiro de Arthur Fleck, para a sua mente perturbada. Enquanto ele canta, podemos vislumbrar seus desejos mais profundos, sendo que, quando voltamos à realidade, temos um choque com o que de fato acontecia à sua volta.
Joaquin Phoenix e Lady Gaga não desapontam e surgem magníficos em seus respectivos papéis, como se fossem, verdadeiramente, feitos um para o outro em sua compartilhada (e tão íntima) loucura a dois.
Não há cenas adicionais, mas preste muita atenção aos momentos finais da produção. Em um breve momento, um simples desfoque de fundo será o bastante para surpreender e chocar os fãs mais atentos, confirmando o que não chega a ser novidade: Todd Phillips é um gênio.
Aliás, ao prestarmos atenção em algumas sequências, é possível notar discretas revelações acerca do que seriam arcos futuros de personagens, caso estes ganhassem a chance de serem produzidos para o cinema. O universo de “Coringa: Delírio a Dois” não é o corrente da DC, mas é inegável a ligação (intencional ou não) que permanece intocada entre as propostas canônicas e as demais.
Vá ao cinema preparado para uma montanha russa de sentimentos e alucinações, mas esteja pronto para tudo, afinal, este é um título forte e dramático, que irá mexer com o seu emocional.
Filme do ano, vale muito a pena conferir.
por Clóvis Furlanetto – Editor
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Warner Bros. Pictures.