Crítica: Colette
Colette – pseudônimo de Sidonie-Gabrielle Colette – foi uma das mais aclamadas escritoras francesas durante as primeiras décadas do século XX. Dentre seus escritos mais famosos estão a série Claudine, La Vagabonde, Gigi e até mesmo o texto da famosa ópera de Ravel L’enfant et les sortilèges. Sua obra, na maior parte comenta a libertação feminina em uma sociedade machista e conservadora, a descoberta e vivência da bissexualidade, e possui grandes inspirações autobiográficas.
Sua vida, inspiração de vários de seus escritos, foi nada menos que extraordinária: sua carreira como escritora começou como ghost-writter para seu primeiro marido, algo não tão incomum até o começo do século passado para escritoras e outras artistas. Durante seu primeiro casamento, com Henry Gauthier-Villars – um dos mais notórios libertinos dos círculos intelectuais parisienses – viria a viver e explorar sua bissexualidade, apoiada pelo próprio marido, e com isto conheceria sua segunda “cônjuge” por assim dizer: a marquesa Mathilde de Morny – conhecida por desafiar os padrões de vestimenta da época vestindo-se como homem – com quem viveria por cinco anos.
Além de escritora, Colette também teve uma sólida carreira como atriz, mímica e jornalista. E justamente retratando esse período – de seu casamento e separação – temos “Colette”, dirigido por Wash Westmoreland, cujos trabalhos várias vezes tocam nas temáticas LGBT e das questões do machismo e da mulher na sociedade. O longa conta com Keira Knightley e Dominic West no elenco.
O domínio do diretor em representar de maneira significativa as temáticas LGBT é bem evidente. A forma com que ele demonstra as relações de Colette com suas amantes (no período retratado no roteiro a escritora estava casada), evita sexualizações desnecessárias, mesmo quando mostrando os atos em si, além do arco de descoberta que é representado de maneira muito eficiente. É claro que é fácil representar o arco de autodescoberta quando baseado em uma história real, porém a seleção de momentos dramáticos é bem acertada.
Fotograficamente o filme é interessante. Os ângulos das câmeras durante as tomadas são bem escolhidos, e conectam-se às ações e emoções que representam. A cor na maioria das cenas é bem pensada, porém foi perdida a oportunidade de se inspirar na arte que ficou famosa no período, com flores e cores vivas, nas tomadas em meio a arvores e espaços arbóreos. Porém à parte disto, a escolha da paleta é acertada.
A trilha sonora toma como motivo títulos da época como “O Carnaval dos Animais”, embora sua grande influência sejam as faixas de trilhas mais modernas e até mesmo orquestrações de músicas contemporâneas mais comportadas, como as de Arvo Pärt. Ainda assim mais influências da época poderiam ser presentes em um período de grandes revoluções na música. E para um filme que retrata uma libretista de Ravel, faltou algo que lembrasse o compositor na trilha. Ainda assim, a trilha funciona bem, acrescenta muito à dramaticidade das cenas, e é bem composta.
No departamento das atuações o filme também está bem servido. Dominic West consegue trazer um Willy nojento às telas, com suas manipulações e traições. Keira Knightley num primeiro momento não convence como a jovem Colette, em seus 19 anos. Porém a partir do momento que o longa começa a retratar a escritora mais madura e envolvida nos círculos sociais e intelectuais parisienses, a atriz consegue trazer um retrato pungente e marcante da escritora. Um personagem secundário que merece nota é Missy: Denise Gough traz um retrato robusto da personagem que bem traduz seus dilemas e problemas enfrentados no período.
Por fim, “Colette” não é um perfeito do sentido biográfico, mas faz bem o trabalho de retratar os temas centrais da obra da escritora homônima, a qual a própria inspirou em sua própria vida.
É um título para refletirmos sobre as questões do machismo, da LGBTfobia e da libertação feminina, temas ainda complexos em nossos dias. Com atuações interessantes e roteiro bem escrito, é recomendado não só para quem gosta de dramas de época, mas também para quem quer pensar sobre as questões acima, além de uma recomendação certeira para fãs de romance e drama.
por Ícaro Marques – especial para CFNotícias