Crítica: Clube Zero


Comida tem múltiplos rituais associados e um relacionamento muito forte com cada indivíduo ou cultura. Fonte de alívio, lanche engolido para dar tempo as outras atividades, comemoração de aniversário, churrasco com os amigos, reencontro com a família, festa do final de ano da firma, entre centenas de outras, com uma série de procedimentos e instruções específicas associados a atividades religiosas, com o pão missal ou a abstinência de carne de porco.

Em “Clube Zero” (Club Zero), a professora Miss Novak (Mia Wasinkowsa) é contratada por uma escola de elite para criar uma disciplina optativa de nutrição. O que começa como uma suposta conscientização do próprio corpo evolui para um fanatismo com desastrosas consequências.

Várias subculturas focadas no emagrecimento surgiram no século 20, acentuadas ainda com a descoberta científica de que a restrição de calorias era capaz de aumentar o tempo de vida (na verdade, em uma situação biológica muito específica, distorcida e exagerada na maioria das vezes), criando uma abundância de gurus com supostas  fórmulas mágicas que ganham muito dinheiro,  inclusive a ponto de criarem cultos religiosos em torno do conceito, sendo essa temática justamente a trabalhada pela narrativa.

A história é relativamente previsível, o que não é um problema,  pois, o maior destaque do filme é a ênfase em como cada aluno tem uma visão própria sobre a alimentação e como essa ligação pessoal com a comida se conecta diretamente com seus problemas familiares. Fica bem claro como a professora consegue manipular quem tem distúrbios alimentares, para aderir à loucura que é sua crença pessoal, aproveitando-se do vácuo causado pela inexistência de um acompanhamento médico ou psicológico real.

Seus métodos de manipulação são detalhados  e coerentes, introduzindo práticas simples e eficientes com curiosidades de ciência real para, a seguir, introduzir exageros em um mistura de ciência e fé, onde a ciência vai sendo gradativamente reduzida até obter sua doutrinação. Ao mesmo tempo, vemos pais ricos cujo suposto interesse no cuidado dos filhos passa longe de qualquer pesquisa científica pedagógica real, sem perceberem que estão projetando seus problemas nas crianças, ao invés de realmente cuidarem delas.

A combinação de fotografia, trilha sonora e transições nos momentos precisos são excelentes para dar o clima do filme. Um bom exemplo é a cena de um casal discutindo sobre a criação da filha: assim que falam sobre como precisam ensinar para a garota sobre os problemas do consumismo, a câmera muda para uma imagem mais panorâmica,  exibindo a riqueza enorme da mansão deles, em contraste exato com o que dizem.

“Clube Zero” pode ser considerado perturbador (e nojento ) pelas sequências explícitas de transtornos alimentares, e não é recomendável se você for sensível ao tema. Outra ressalva dá-se em relação ao final que, ao tentar colocar tons oníricos em uma tragédia, mesmo gerando composições incríveis, pode acarretar problemas de interpretação,  até mesmo podendo ser usado por cultos radicais para distorcer a obra e inverter sua mensagem anti-seita.

Considerando a intensidade de algumas cenas e o quão explícitas são em certos momentos, me pergunto se foi um erro da direção adotar a forma de um drama mais poético, ao invés da linguagem do suspense e do terror, através da qual, poderia ser desenvolvido o tema em toda sua intensidade.

Ainda assim, é um filme bem construído,  excelente para quem gosta de dramas intensos, histórias sobre fanatismo religioso e questionamentos sobre educação de adolescentes.

por Luiz Cecanecchia – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Pandora Filmes.