Crítica: Cafarnaum


O termo capharnaüm em francês, numa tradução simplista, se refere à bagunça, ou lugar bagunçado. Em inglês a tradução mais próxima é chaos, referente a lugar, ou shambles. Apesar de uma possível interpretação bíblica, o filme “Cafarnaum” (Capernaum) se foca neste uso francês do termo, por suas paisagens dominadas por favelas, cortiços e bazares informais, sua trama sofrida e torturada, e seus personagens presos nestes dois elementos.

Dirigido e roteirizado por Nadine Labaki, o filme segue a história do menino Zain (Zain Al Rafeea), que ao ver sua irmã de onze anos ser praticamente vendida para casar com um homem muito mais velho, foge de casa. Vivendo na rua, conhece a refugiada etíope Rahil (Yordanos Shiferaw), de quem vai passar a tomar conta do filho. Após cometer um crime violento, Zain se vê preso, e decide então fazer algo impensável: processar seus pais, por lhe darem vida.

É impressionante como o longa retrata de maneira realista, visceral, e ao mesmo tempo sensível a situação de Zain e mostra a seu público alvo – pessoas de classe média a alta, de fora do Líbano – uma realidade a qual poucos conhecem, e outros ignoram. Realidade esta dos refugiados, das favelas e cortiços nas grandes cidades, dos casamentos infantis, do tráfico humano.

À parte do fator social, o roteiro brilha também por sua condução. A escalação dos dramas dentro da trama até o grande ápice do crime que leva Zain preso, cria um fio condutor cheio de surpresas, ainda que saibamos para onde a história irá, devido à estrutura do filme. A exploração dos vínculos pessoais também é um ponto interessante, mostrando como as pessoas se conectam na adversidade, enriquecendo um roteiro bem conduzido.

A fotografia alterna entre uma cinematografia mais comum, próxima aos personagens, e tomadas panorâmicas, detalhando bem o ambiente que se localizam. Estas panorâmicas, no entanto, têm o efeito oposto do comum: não detalham belezas, não aumentam a importância da jornada de Zain. Mas ao contrário, reforçam a sensação de insignificância enfrentada por ele.

Das atuações merece destaque Yordanos Shiferaw como Rahil, que expressa bem o dilema da mãe refugiada, porém encontrando a felicidade e o verdadeiro refúgio em seu filho. Zain Al Rafeea atua de maneira condizente com seu papel e representa bem a situação de jovem rebelde.

A diretora Nadine Labaki, que atua como a advogada de Zain, Nadine, fez questão de incentivar improvisos, expressões e interpretações próprias por parte dos atores, incorporando de maneira eficiente ao roteiro. Resultado: atuações que ainda que não sejam hollywoodianas, são visceralmente realistas.

Por fim “Cafarnaum” é um filme pesado. Traz à tona realidades que poderão servir de gatilhos a quem conheceu e viveu, ou pode desvelá-las a quem não conhece de maneira próxima. Mas ainda assim um filme belo e bem construído, recomendado a todos amantes de dramas realistas.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias