Poucas composições musicais têm o poder de atravessar os séculos e tocar diferentes gerações com a mesma intensidade. Grande parte dessas obras-primas nasceu há centenas de anos, concebidas por gênios da música que, à época, não contavam com os recursos tecnológicos que hoje moldam o fazer artístico.
Criar música, no passado, era um ato reservado a poucos – uma expressão quase sagrada, limitada a mentes excepcionalmente dotadas e a um público seleto. É exatamente nesse universo que mergulha “Bolero: A Melodia Eterna” (Bolero), longa-metragem da cineasta francesa Anne Fontaine, que se debruça sobre a figura enigmática de Maurice Ravel e a gênese de sua composição mais célebre.
Raphaël Personnaz entrega um Ravel inquieto e introspectivo, mergulhado em dilemas internos, inseguranças e numa busca obsessiva pela perfeição. Seu retrato do maestro é sensível e bem calibrado, revelando um artista preso entre o peso das expectativas e a libertação criativa.
Ao lado dele, Jeanne Balibar brilha como Ida Rubinstein, dançarina, coreógrafa e provocadora, que funciona como catalisadora de muitos dos conflitos internos do compositor. É através de suas interações intensas e, por vezes, confrontadoras, que o filme revela as camadas mais profundas do processo criativo de Ravel.
Anne Fontaine escolhe um caminho elegante e contemplativo. Ao invés de um drama biográfico convencional, ela opta por um retrato poético e visualmente requintado do artista. A direção é precisa, e o design de produção contribui para um ambiente quase onírico – uma Paris onde o tempo parece suspenso entre a modernidade e o peso das tradições.
Visualmente belo, “Bolero: A Melodia Eterna” evita o pragmatismo frio de muitas cinebiografias, preferindo a ambiguidade e a sensibilidade. A produção não apenas celebra a genialidade de Ravel, como também mergulha na complexidade de sua mente – um labirinto de dúvidas, inspirações e resistências.
A trilha sonora, claro, é um personagem à parte: o Bolero, aqui, não é apenas música – é obsessão, é epifania, é tormento e redenção. Para quem se interessa pelas origens da arte “Bolero: A Melodia Eterna” é um banquete. Mais do que uma homenagem ao mestre francês, é uma meditação sobre o que significa criar algo eterno.
por Artur Francisco – especial para CFNotícias
*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pela Mares Filmes