Crítica: Anton – Laços de Amizade
A Revolução Russa é um evento coberto em polêmicas. É difícil discutir, pois não há consenso entre diferentes grupos. Alguns julgam um erro grave, outros uma vitória. De qualquer modo, tem que se admitir que a Rússia de um país quebrado e decadente, que beirava a fome, e perdera a glória dos dias de Catarina, A Grande, tornou-se uma das duas superpotências mundiais. Ao mesmo tempo, também não se pode deixar de comentar quantas atrocidades foram produzidas no caminho.
Um destes graves e horrendos exemplos foram as ações do Exército Vermelho tomadas contra a Ucrânia. Durante a revolução, certas regiões eram povoadas por alemães de colônias fundadas no século XVIII pela Tzarina Catarina, A Grande – ela mesma alemã, tornou –se imperatriz após a morte de seu marido, um Romanov – que não se viam como russos, e eram mais prósperas que várias partes da Rússia.
Isso resultava em ações atrozes para angariar suprimentos tomados dos fazendeiros. Após a revolução, as atitudes tomadas pelo governo stalinista resultaram numa grande onda de fome, em particular nos territórios que não pertenciam originalmente ao Império Russo, mas ao Austro-húngaro, que foram anexados pela URSS. Esse período é chamado Holodomor, um dos maiores crimes contra a humanidade do governo stalinista.
“Anton – Laços de Amizade” (Anton) é um filme que conta histórias durante esses tristes períodos. Em 1919, numa pequena vila próxima a Odessa, dois amigos Yasha (Mykyta Dziad) e Anton (Nikita Shlanchak), um judeu russo e um alemão católico, respectivamente, passam sua infância em meio ao fogo cruzado da Revolução, quando os adultos de sua vila decidem se revoltar após o assassinato do pai de Anton – um líder da aldeia – por forças revolucionárias.
A sensibilidade da forma como o longa retrata a percepção e inocência das crianças em relação aos eventos que as rodeiam é impressionante. Alheias ao mundo decadente ao redor, elas repetem o que falam os adultos, no entanto ignoram o que ocorre até a hora que os impactos começam a circular diretamente suas vidas, como a morte de entes queridos, e o envolvimento de parentes com a resistência.
Além da qualidade do roteiro, o filme também possui dois elementos muito belos: a fotografia e a trilha sonora. A fotografia faz jus ao nome, e usa muito bem a beleza das cenas, contrapartidas com o horror da trama, além de ter uma narrativa visual interessante. Enquanto isso, a trilha sonora é mínima, seja em relação aos poucos instrumentos utilizados, predominantemente quarteto de cordas, seja na presença, usada apenas quando necessita de um reforço dramático para a cena.
Os principais problemas existem na atuação: Nikita Shlanchak junto a um roteiro que não colabora, tornam o personagem Anton um tanto irritante. Algumas outras interpretações são tão rígidas que se tornam inexpressivas. Um exemplo é Vladimir Levitskiy como o pai de Yasha, que mesmo com as considerações emocionais do personagem, ainda assim parece indiferente.
Enfim, “Anton – Laços de Amizade” é um filme instigante, que trata de um momento complexo, delicado e triste da história moderna, e o retrata com habilidade e sensibilidade.
por Ulisses Marques – especial para CFNotícias
*Título assistido via streaming, a convite da A2 Filmes.