Crítica: A Favorita do Rei

“A Favorita do Rei” (cujo título original é “Jeanne du Barry”) se ocupa da vida dessa mulher, que, de origem humilde, passando pela condição de prostituta, e com matrimônio de conveniência com o nobre assim identificado, no ano 1768 chegou a ser a cortesã preferida do Rei Luís XV da França.

É um relato que apresenta inicialmente a Jeanne (Maiwenn) na infância e adolescência como modelo para ser retratada (ou seja, que já deveria ter algum encanto) e depois como mulher que se prostitui e ascende nas relações sociais. Dessa forma, a certa altura da vida há um casamento que, como objetivo final, lhe permite ter acesso nada menos que ao rei.

Este monarca (Johnny Depp, quase irreconhecível) estava rodeado de uma corte, com um círculo muito restrito constituído pela esposa (porém, distante dele) e as filhas. Nesse âmbito existiam inúmeras e até cansativas regras protocolares. Por outra parte, seus vínculos sexuais com mulheres eram permanentes, em contraste com decisões próprias de sua investidura, as quais são escassamente mencionadas na trama.

É assim que os dois personagens – Luís XV e Jeanne – terão um primeiro encontro. Embora rejeitando a rigidez da realeza, derivará em uma relação sexual, que terá uma intensa carga emocional, em especial para o homem, não habituado a um trato tão profundamente íntimo.

A partir daí, sucedem-se diversas situações, nas quais aquelas regras e as reações da corte perante as atitudes irreverentes de Jeanne passam a tomar um lugar de extrema importância.

As caraterísticas de “A Favorita do Rei” ficam definidas em primeiro lugar por um trabalho fotográfico com perfeita simetria ao mostrar prédios, grupos humanos, paisagens da natureza (como, por exemplo, três árvores na sequência inicial que aparecerão de novo quase no final) etc., com enquadramentos e deslocamentos de câmera impecáveis – embora tenha algumas tomadas de locais que reaparecem ainda que, algumas vezes, sem nexo entre eles.

O anterior faz lembrar outros filmes muito elaborados visualmente, como “Barry Lyndon” (1975) e “2001: A Space Odyssey” (1968), e alguns mais, só que em “A Favorita do Rei”, a grandiosidade visual prevalece ao longo das quase duas horas de duração.

Também merecem destaque as alternâncias entre momentos sensuais e sexuais, cenas e sequências majestosas e a descrição dos vínculos e protocolos reais.

Neste último caso, alguns gestos (risos e sorrisos e caretas) são excessivos; também há absurdos definitivamente ridículos que sublinham o que se pretende evidenciar e criticar da monarquia, mas na reiteração, o filme cai em sua própria armadilha e passa a ser ele mesmo muito repetitivo. Aliás, a descrição dos personagens do rei e da cortesã, da corte e todo o contexto geral, tem esse defeito: a condição monocórdia, para além de algumas nuances.

Não devem passar despercebidos alguns diálogos, reflexões e ideias interessantes como, por exemplo: “De que adianta ser inocente se os outros desejam considerá-la culpada?” / “Uma boa mentira é uma declaração de amor” / “(Desejo) uma vida plena de curiosidade – Uma vida para ter tempo para viver – beber, comer, escrever, ler”.

Com virtudes e alguns defeitos, é um filme elaborado em especial nos aspectos técnicos: Fotografia (Laurent Dailland), edição (Laure Gardette), música (Stephen Warbeck), produção/cenografia (Angelo Zamparutti), desenho de arte (equipe com longa lista de profissionais), figurino (Jurgen Doering), penteados, maquiagem etc.

A enumeração anterior não é arbitrária, pois, cada item possui um desenvolvimento muito caprichado e os nomes dos profissionais estão detalhados porque merecem reconhecimento de seu currículo e deste trabalho em particular.

Por último, é evidente nesta produção a responsabilidade de Maiwenn, diretora e corroteirista e, também, protagonista. A mão e o olhar femininos estão nesta obra que nos remete a outros títulos onde as diretoras também revisitam mulheres que estiveram presentes em páginas do passado (Sofia Coppola com “Maria Antonieta” [2006], “O Estranho que nós amamos” [2017], “Priscilla” [2023], e outras cineastas).

O espectador de gosto requintado poderá desfrutar muito com as imagens de “A Favorita do Rei” título que abriu as sessões do último Festival de Cinema de Cannes. Sendo assim, como é de praxe, não participou da concorrência a prêmios, mas é uma distinção na que o festival elogia e põe em evidência a obra. Basicamente, concordamos com a escolha.

por Tomás Allen – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pela Mares Filmes | Alpha Filmes.