Crítica: Conclave


Filme denso, sobre a reunião que os cardeais da Igreja Católica Apostólica Romana realizam em sua sede vaticana, com o objetivo de, ante a morte do Papa, escolher um novo chefe supremo. Nesta ocasião, são mais de uma centena de cardeais provenientes de praticamente todas as partes do mundo. O caráter da reunião é secreto, com regras muito severas para seu funcionamento, como, por exemplo, votar de forma reservada e evitar todo contato com o mundo exterior desse âmbito.

Na trama de “Conclave” (Conclave), o escolhido para conduzir esse encontro é o Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes). Ele diz que o  maior pecado é a certeza; que ele mesmo tem algumas dúvidas, não da existência de Deus, mas sim sobre a igreja. Em outros momentos, afirma que”nunca encontraremos o homem perfeito para ser Papa” e que o que importa  é servir a Deus, mais que à igreja. Para ele o importante é a fé viva, que caminha com a dúvida e o mistério.

Sua tarefa no Conclave não lhe será simples porque, aos poucos, começam a aparecer os mais diversos tipos de problemas. Chegam os prelados, alguns com características mais sobressalentes que os outros, inclusive com personalidade, atuações, currículo institucional e posturas ideológicas já conhecidas.

Depois se sucedem as votações, abrangendo vários dias e, nessa medida, crescem os conflitos. Acentuam-se conceitos tais como dúvidas, contradições, pecado etc. Simultaneamente, se formam grupos afins e há conversas individuais, principalmente com Lawrence. Algumas delas são cordiais e outras decididamente ameaçadoras (por exemplo, a de Tremblay, papel de John Lithgow). Além disso, há complicadas pesquisas sobre os principais candidatos, entre os quais, figura o africano Adeyemi (Lucian Msamati).

Também há figuras que têm uma participação relativamente importante: o Cardeal Bellini (Stanley Tucci), oscilante, mas, no fundo, liberal, próximo a Lawrence – que, assim, deixa de ter neutralidade. E a Irmã Agnes (uma amadurecida e quase irreconhecível Isabella Rossellini).

Vão-se criando suspeitas e deixando em evidência falhas graves que atingem a quase todos os principais candidatos à sucessão do Sumo Pontífice. A trama se aprofunda e se torna mais complicada, revelando ambição (quase todos querem ser Papa, contudo, hipocritamente, a dissimulam porque ficariam em evidência); falhas graves com malversação de fundos, relações com mulheres e até uma violação sexual; interesses individuais, grupais e ideológicos, mostrando um rosto cruel. Em meio de tudo, também há um pouco de autêntica fé em valores cristãos. De todas as maneiras, os evangelhos e a Bíblia em geral, praticamente não são nem citados.

Tudo vai confluindo, embora sinuosamente, em um par de discursos que, nessa condição, se somam ao inicial de Lawrence. Tedesco (Sergio Castellitto) levanta a voz para defender uma posição conservadora, condenando duramente o homossexualismo e outras atitudes de abertura da Igreja. E Benítez (Carlos Diez), um cardeal que tinha ingressado de forma confusa, e resulta ser uma figura desconhecida e secundária, defende o contrário: perdão e tolerância. Esta última postura e a maneira como é apresentada resultam mais convincentes e, eventualmente, podem – até de maneira involuntária – definir a próxima votação no Conclave.

Assim, os principais temas que dividem essa igreja e, em particular os cardeais, são o homossexualismo, o papel das mulheres na igreja, as relações com outros “irmãos na fé”, a política em geral – liberais / conservadores. Não dista muito do que acontece, efetivamente, nesta Igreja nas últimas décadas. O que pode levar o espectador a associar o que vê na tela com os papados, em especial os de Bento XVI, ortodoxo na doutrina, o alemão Joseph Ratzinger, que abdicou e morreu. E do atual, o argentino Jorge Bergoglio, com nome papal Francisco, bastante aberto em vínculos com os protestantes, preocupado com a situação dos pobres, e que tem resultado polêmico em decisões sobre os homossexuais.

Isto, inclusive, continua até hoje. Também não faltam associações com títulos cinematográficos que se ocupam da figura do papa: “Dois Papas” (2019, de Fernando Meirelles), “Habemus Papa” (2011, de Nani Moretti) e até “Anjos e Demônios” (2009, de Ron Howard).

Esta produção toma como base o livro best seller homônimo de Robert Harris, autor que já tinha sido levado às telas em “O Escritor Fantasma” (2010), de Roman Polanski, que mostra os perigos que há ao escrever sobre políticos. O roteiro do longa é de Peter Straughan, que tinha como principal  antecedente uma obra belíssima: “O Pintassilgo” (2019).

Recentemente, ganhou um ‘Globo de Ouro’ por sua tarefa em “Conclave”. De maneira que predecessores positivos do roteirista não lhe faltam. Straughan faz jus a tudo isso. Cria um percurso dramático bem elaborado, no que se refere à narração. Claro que, além disso, “Conclave” possui um ritmo que, sem ser absolutamente dinâmico e ter uma duração relativamente longa (exatas 2 horas), produz atração.

A edição é de responsabilidade de Nick Emerson (22º. longa-metragem como editor) e, evidentemente, a direção de Edward Berger (10º título, entre os quais “Nada de Novo no Front” [2022], ganhador do ‘Oscar’ na categoria ‘Internacional’). Fotografia (Stéphane Fontaine), alternando planos próximos – em especial dos rostos, com evidência das emoções de cada um dos personagens, sobretudo nas primeiras sequências, com outros mais gerais e, simultaneamente procurando provocar simpatia, rejeição, desconfiança etc. no público.

Música (Volker Bertelmann), figurino (Lisy Christi), direção de arte (Roberta Federico), efeitos de som e outros (diversas equipes), tudo está muito cuidado. Os atores e atrizes são experimentados e sua tarefa é boa, podendo ser destacados um sóbrio Ralph Fiennes, um enfático John Lithgow e um vigoroso Sergio Castellitto.

Porém, para além dessas qualidades, a avaliação deste título pode-se centrar no global: é uma visão sobre um evento decisivo na vida desta Igreja e o resultado da impressão e análise, estará muito vinculado a convicções prévias de cada espectador.

Talvez simplificando, tudo indica que para aqueles que fazem parte da Igreja Católica Romana, a obra pode ser entendida como extremamente polêmica e deve ser rejeitada. Tanto em seu decurso quanto no final. Para aqueles que são neutros ou opostos, “Conclave” será um filme interessante e até valioso.

por Tomás Allen – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Diamond Films.