Espetáculo de dança “Anunciação”, do Bando Macuas Cia Cênica, ganha apresentações na capital paulista


Composta de uma série de dez apresentações em diferentes espaços culturais de São Paulo, a temporada de estreia da performance de dança “Anunciação”, primeiro espetáculo do Bando Macuas Cia Cênica, terá início em duas sessões que serão realizadas no fim de semana de 26 e 27 de outubro na Galeria Olido.

De forte simbolismo, o início do espetáculo acontece em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, fundada em 1908 e situada no Largo do Paissandu, no Centro Histórico da capital paulista.

Idealizada pela diretora e coreógrafa Débora Marçal, que além da formação em Dança é também atriz, figurinista, cenógrafa e joalheira, o Bando Macuas Cia Cênica surgiu de uma experiência de imersão vivenciada pela multiartista paulistana durante uma viagem feita por ela em 2012 a Moçambique.

Débora participou de um intercâmbio artístico-cultural no país afro-lusófono com a Capulanas Cia de Arte Negra, grupo teatral formado por ela, em 2007, em parceria com a atriz e cientista política Adriana Paixão, a atriz e dançarina Flávia Rosa e a atriz e dançarina Priscila Obaci.

“Foi nessa viagem a Maputo que, pela primeira vez, vi uma pessoa do povo Macua, uma etnia bantu do norte de Moçambique. Andando pelas ruas da cidade, cruzei com uma mulher que parecia deslizar. Paralisada, fiquei observando e admirando aquela mulher. Foi então que refleti que era preciso recuperar, no Brasil, essa ‘coluna vertebral’ de nossa ancestralidade. Fiquei com isso na cabeça até 2019, quando fundei a Macuas”, explica Débora.

“Sempre pensando que o que eu construo tem relação direta com o corpo, decidi juntar esse grupo de mulheres pretas que também são múltiplas, que atuam em diversas frentes e desempenham outros papéis na sociedade. E a gente logo se entendeu como um bando. Um bando que constrói imaginários a partir do movimento, em um trabalho que está no âmbito da dança, mas que borra suas barreiras. Dentro da arte que a gente acredita, uma arte preta, as linguagens se misturam, mas sempre evocam a mesma força de estar em cena e de se expressar”, diz a diretora.

A gênese da CIA Macuas também remete a uma terceira experiência que contribuiu para a formação do bando. A maioria das artistas da nova companhia se conheceu na condição de dançarinas do Bloco Afro Afirmativo Ilu Inã.

Criado em São Paulo em 2016 pelos irmãos Fernando Alabê, percussionista e diretor musical, e Fefê Camilo, percussionista e educadora, o bloco celebra a ancestralidade da cultura afro-brasileira com música, dança e exaltação aos Orixás e à população negra da capital paulista.

“Foi só depois de quatro anos atuando no Ilu Inã que eu tive a ação de  criar o Bando Macuas. Em 2022, fizemos no Sesc Campo Limpo uma primeira aparição da performance Anunciação durante o Refestália | Diversos 22, festival que reuniu uma série de atividades em celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. Nossa ideia de companhia se ancora nas bailarinas, nas intérpretes, e a partir de cada tema”, conta a diretora

“Em ‘Anunciação’ não fomos buscar referências em obras ou ideias de fora, mas a partir dos nossos corpos, das nossas subjetividades e de como o tema dessa performance nos atravessa. Falamos sobre a ideia de nascer da cosmogonia bantu e estamos nos referenciando pela cosmologia bakongo. Dentro dessa perspectiva, a gente não morre, a gente segue deste para outro plano”, explica a diretora, que é iniciada no candomblé ketu e criou uma coleção de joias em exaltação a seu orixá Logun Edé, filho de Oxum e Oxóssi, reconhecido por sua beleza e riqueza”.

Com apresentações em equipamentos públicos de grande circulação como o CCJ – Centro Cultural da Juventude e o Centro de Culturas Negras Mãe Sylvia de Oxalá, a  temporada do espetáculo Anunciação se estenderá até o dia 12 de dezembro, quando serão completadas as dez apresentações.

De acordo com a diretora, as performances também devem passar por improvisos e adequações da dinâmica, graças à interlocução com a plateia. Ao abordar essa questão, Débora também destaca uma temática central para a concepção do espetáculo: a conexão com a ancestralidade como uma das chaves para a compreensão da contemporaneidade.

“Em ‘Anunciação’ utilizo o conceito de corpo-memória para fazer perguntas do tipo: como é que a gente se movia antes do rapto e de chegarmos nesse país no período escravocrata? Nosso processo de recordar e inventar está nesse campo do corpo-memória, do entendimento de que a gente precisa de espelhos. Beatriz Nascimento afirmava que a gente precisa da imagem para existir. Se não vemos pessoas como nós, é como se nós não existíssemos. Não por acaso usamos no rosto o mussiro, uma máscara branca feita de tronco de uma planta, que remete à beleza das mulheres do povo Macua. A maioria de nós, se não todas, ainda mantém vivências com nossas tradições como o candomblé e as manifestações populares negras. Nessas manifestações podemos ver exatamente como trabalha nossa ancestralidade. Ao mesmo tempo em que você vai ao Congado e vê o mais velho com o apito, com o bastão, tocando e cantando, ao lado dele está também a criança que vai seguir a vida inteira na tradição até que seja o mais velho da comunidade. Isso não acaba”, fala Débora.

“Nós estamos estudando o Tempo Espiralar, conceito cunhado pela professora Leda Maria Martins, e quando cheguei em Jatobá  e Ibirité, duas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário de Minas Gerais que visitei como parte da pesquisa sobre os Congados, entendi muito mais o que Dona Leda estava falando. A chave da compreensão estava lá. Eles seguem uma tradição que vem de 200, 300 anos. Isso é a contemporaneidade com o pé na tradição. É o conceito vivo do tempo espiralar da professora Leda, que nos provoca a pensar que nossa dança deve funcionar nessa chave de saber, que une tradição e contemporaneidade. Quando o Bando Macuas vai pra rua ele se apresenta com os objetos do agora”, conclui a diretora.

Crédito da imagem em destaque: Gal Oppido.

Serviço:

Anunciação

26/10 às 19h  e 27/10 às 18h

Galeria Olido

Avenida São João, 473 – Centro Histórico de São Paulo, São Paulo

07/11 às 20h e 08/11 às 20h

Centro Cultural da Juventude – CCJ

Avenida Dep. Emílio Carlos, 3641 – Vila dos Andrades, São Paulo

16/11 às 19h e 17/11 às 18h

Zona Leste (local a definir, confira em: instagram.com/bandomacuasciacenica)

30/11 às 19h e 1º/12 às 18h

Centro de Culturas Negras Mãe Sylvia de Oxalá

Rua Arsênio Tavolieri, 45 – Jabaquara, São Paulo

Encerramento da temporada (local e data a definir, confira em: instagram.com/bandomacuasciacenica)

da Redação CFNotícias