Crítica: Pequenas Cartas Obscenas


O espectador não deveria confundir-se com o título do filme “Pequenas Cartas Obscenas” (Little Wicked Letters) no Brasil, pois não há nele imagens nem descrições com conteúdo sexual ou perturbante. Também não se trata de uma obra exclusivamente cômica ou ridícula, como se poderia deduzir pelo cartaz publicitário.

O relato está instalado em Littlehampton, pequena localidade da Inglaterra, em um tempo passado – bem construído, embora em forma econômica e sem detalhes de datas exatas. A esse lugar chega a irlandesa Rose Gooding (Jessie Buckey, atriz também irlandesa). Ela é irreverente, usa linguagem grosseira e tem um comportamento desinibido, até chocante para os moradores da aldeia. É uma personagem com conduta autêntica, sem hipocrisias, mas com erros fortes, muito humanos.

Para piorar os vínculos, Rose tem uns vizinhos ao lado que são conservadores, os Swam. Eles dão atenção férrea à Bíblia e à igreja cristã, e a suas típicas instituições de caridade, onde praticam também tarefas simples, como bordado e cozinha.

Essa família é de moral vitoriana (isto é, muito rigorosa principalmente em matéria de sexualidade, com culpabilidade pesada e valorização do sofrimento). Está constituída por Edith (Olivia Colman) e seus pais, já anciãos – Victoria (Gemma Jones) e Edward (Timothy Spall).

Nesse contexto, aparece um fenômeno confuso, chocante e de difícil explicação. Chegam cartas breves, com linguagem vulgar, insultos e todo tipo de detalhes sobre eventuais preferências e atitudes sexuais dos integrantes da família Swan. Todas as suspeitas recaem sobre Rose, cuja situação se complica, inclusive, diante da polícia. Para piorar o quadro, ela tem uma filha pequena, Nancy (Alisha Weir), que pode ser atingida pela má imagem social da mãe.

Os policiais recebem a denúncia, começam a pesquisar, desconfiam de Rose e acreditam que ela é a autora das missivas. A única que entende que é altamente improvável que essa suspeita seja culpada é Gladys Moss (Anjana Vasan), uma autodenominada policial feminina (redundância criada por ela mesma e que será motivo de tensões com terceiros). Aos poucos, a trama vai passando de ser um drama com muitos momentos de piadas sutis (ao estilo inglês), para se transformar em um drama policial.

Curiosamente, o espectador pode converter-se em pesquisador e ir deduzindo elementos centrais, que depois ficarão abertamente expostos. Nada disso fará perder o interesse pelo que virá no relato. Depois de inúmeras reviravoltas, o percurso concluirá de forma extremamente elaborada, até com elementos emocionantes.

A obra tem uma direção muito cuidadosa, de Thea Sharrock, e se apoia no roteiro do debutante em longa-metragens, Jonny Sweet – o que é uma virtude, porém, simultaneamente, um defeito de linguagem cinematográfica (na qual deve prevalecer a imagem e não os diálogos), mas que, de todas maneiras, não chega a comprometer o resultado.

Na mesma linha de capricho está a fotografia de Ben Davis; edição e música não apresentam defeitos. E as atuações são corretas, com destaque para a protagonista, Jessie Buckley, e, também, em segunda linha, para Anjana Vasan.

Tudo isso justifica definir “Pequenas Cartas Obscenas” como minimalista (embora tenha idas e voltas no caminho), de excelente feitura e, sobretudo, ser um filme inteligente.

por Tomás Allen – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Sony Pictures.