Crítica: O Menino e a Garça


Trabalhar os processos de perda e amadurecimento na infância sempre é algo complexo, cuja dificuldade alcança novos níveis quando isso ocorre em período de guerras.

Em “O Menino e a Garça” (Kimitachi wa dô ikiru ka / The Boy and the Heron), nosso protagonista, Mahito (voz de Soma Santoki na versão original e Luca Padovan, em inglês)  vive no Japão durante a Segunda Guerra Mundial. Filho de uma família abastada, precisa aprender a superar a perda da mãe e sobreviver a um antigo segredo de seus parentes.

Os estúdios Ghibli existem desde 1985, marcando o cinema com mais de 20 filmes de animação já lançados, quase todos mantendo a animação 2D tradicional como foco e tendo um ritmo próprio para contar histórias.

Assistir a uma animação no estilo Disney ou similar é como andar em uma montanha russa, onde tudo passa rápido, com algumas pausas existindo para dar fôlego para emoções mais intensas. Já ver um filme Ghibli é uma experiência similar a olhar um quadro gigante, tudo parece mais parado, como os detalhes se acumulando pouco a pouco até você estar mergulhado em um mundo complexo, onde tudo interage entre si.

A paleta de cores, a fluidez da animação – mesmo em minúcias do dia a dia do personagem, a batida da trilha sonora, tudo se mescla para gerar uma história que começa lenta e acelera progressivamente, a fim de retratar o conflito entre a energia abundante natural da infância e o buraco a ser preenchido pelas tragédias que se abatem ao seu redor.

Um garoto criativo e dedicado, mas orgulhoso, tentando arranjar um novo significado para as coisas quando se muda para casa da tia/ madrasta Natsuko (Yoshino Kimura / Gemma Chan), o que leva ao contato com uma entidade misteriosa, a garça do título (Masaki Suda / Robert Pattinson), condutora para um mundo mítico cheio de belezas e perigos, cujas origens estão extremamente ligadas às raízes do protagonista.

A guerra aparece sob dois aspectos: o primeiro é indireto, com os soldados nas ruas, a falta de comida, o trabalho paterno, entre outros detalhes, gerando um calafrio na espinha cada vez que você lembra o que está por trás desses acontecimentos, aparentemente simples.

O outro aspecto é dentro do mundo de fantasia, um grupo de criaturas mágicas bélicas com aspecto fundamental na narrativa. Podemos ver esse mundo mágico como uma fábula da natureza múltipla de arte, discutindo como uma obra e nossa própria imaginação sempre serão influenciadas pelo ambiente externo, independente se for criada para entretenimento puro.

E, quem que não sabe disso, pode deixar acidentalmente os problemas de seu ambiente e seu coração invadirem-na, ao invés de usá-la como ferramenta de sublimação e de reconexão com o mundo.

Cada coadjuvante é bem trabalhado graficamente e com um padrão único de movimento e personalidade, das velhinhas que trabalham para a madrasta ( minhas coadjuvantes favoritas) até a garça mística, o que faz com que poucas palavras de apresentação e descrição sejam necessárias para caracterizá-los na obra, sendo uma aula perfeita da estrutura “não conte, mostre”, que transforma uma narrativa em algo realmente dinâmico.

Por fim, mesmo sendo um filme que pode ser visto completamente isolado, quem assistiu a obras anteriores do estúdio verá múltiplas referências a outros longas dele espalhados em detalhes de design e de história, uma camada extra de diversão para os admiradores de longa data.

“O menino e a Garça” é uma experiência maravilhosa para os fãs de animação de todas as idades que aguarda quem for conferir o filme no cinema.

por Luiz Cecanecchia – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Sato Company.