Crítica: No Fio da Navalha


Das diversas perguntas fundamentais que guiam os sistemas jurídicos, duas comumente se tornam foco das discussões do grande público: A primeira é a clássica “É melhor um injusto livre do que um justo punido, ou o contrário?”; A segunda é menos comum, mas ainda assim popular: “O que é mais importante: a lei ou o espírito desta?”. Nenhuma delas tem resposta fácil, com frequência se tornam alvos de contínuas batalhas legais e fontes de sofrimentos para vítimas de crimes impunes ou para presos erroneamente. Infelizmente, não sobram casos exemplares de ambos.

“No Fio da Navalha” (By a Sharp Knife) é um filme que explora os meandros do sistema legal observando estas perguntas. Ludo Benko (Roman Luknár) perdeu seu filho para um ataque de neonazistas enquanto andava por uma ponte para espairecer uma discussão com o pai, porém os culpados são libertados saem impunes por tecnicalidades da lei. Agora o patriarca tenta levar à justiça os assassinos, bem como conseguir superar a culpa que carrega.

A trama, apesar de especificamente se passar em Bucareste, tem certo apelo universal: os complexos meandros da lei e dos sistemas legais, bem como as fundamentais perguntas acima, sendo fácil identificar casos semelhantes no Brasil, nos Estados Unidos, ou qualquer outro país. Por sua vez, o fato de ser em um país de realidade completamente adversa a do brasileiro comum, ajuda no fator confusão e aflição, pois como Ludo, nos vemos perdidos em leis que não compreendemos, e o filme faz jus a essa ideia, expondo cada mínimo detalhe e tecnicalidade que é incompreensível aos leigos do sistema legal, reforçando o clima complexo de suspense.

Outro tema fundamental do filme é a tão discutida nestes dias “Masculinidade Tóxica”. E, no caso, Ludo carrega os claros elementos tão comumente apontados pelos críticos desta: ele não se deixa manifestar emoções, nem mesmo afeto pelo próprio filho, e mesmo quando expressa um módico deste logo disfarça como se nada houvesse acontecido, ou pior ainda manifestar luto por este; sempre tenta agir como chefe de família, impondo como esta deve funcionar e o que devem fazer, mesmo quando a filha não deseja fazer natação, ele a impede de fazer outro esporte; etc.

O ponto central que coloca a trama em movimento é ligado a este tópico, e é uma briga entre o filho que deseja entrar para a faculdade, enquanto o pai não acha que ele sequer conseguiria, resultando no fato do jovem sair para dar uma volta e ser assassinado. A culpa não manifesta de Ludo é a guia da narrativa. No entanto, diferente dos filmes americanos, que tomando uma guinada para a ação, o pai procuraria a justiça através da vingança fria e violenta, neste ele apenas tenta fazer com que os culpados, principalmente aquele que esfaqueou o filho, sejam punidos devidamente pela lei.

Isto em si é talvez um dos grandes diferenciais, é inovador, e mesmo que existam outros que retratem situações semelhantes, ainda são tão poucos em relações aos vingativos que acabam por parecer uma coisa nova. Os pontos negativos são os mesmos de qualquer drama legal: a trama dá voltas e mais voltas para constantemente cair nos mesmos lugares, e parece se arrastar enquanto a lei parece sempre estar contra o protagonista.

Porém, um dos maiores elogios que o filme que estreia na plataforma de streaming Cinema Virtual merece, é sua junção de suspense com drama. Poucos títulos conseguem ao mesmo tempo trazer à tona os sofrimentos internos do protagonista enquanto tentam criar um clima de tensão e mistério ao redor sem apelar a clichês.

Ainda assim, “No Fio da Navalha” é mais um drama do que qualquer outra coisa. Particularmente um drama familiar, explorando os atritos e dores de uma família devastada por uma perda dolorosa, com um patriarca que se recusa a reconhecer seus próprios problemas e a própria culpa.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias

*Título assistido via streaming, a convite da Elite Filmes.