Crítica: Morte, Morte, Morte
Tornou-se habitual dizer que as coisas – principalmente no que diz respeito a entretenimento – são “datadas”. Aparentemente, quase não há mais espaço para nada se tornar “clássico”, já que o que era popular e bem visto há alguns anos, hoje em dia pode ser classificado como problemático.
“Morte, Morte, Morte” (Bodies, Bodies, Bodies) parece sofrer desse mal. Isto se dá pelo fato do roteiro escrito por Sarah DeLappe ser, de maneira bem simplificada, um grande compilado de assuntos que já viraram threads no Twitter ou viralizaram no TikTok.
Entre os incontáveis temas tratados (ou pelo menos citados) em alguma cena, incluem-se: relacionamentos abusivos, amizades “tóxicas”, preconceitos com classes sociais / gêneros / etnias / gerações distintas, machismo, uso de drogas (lícitas e ilícitas), disformia corporal, borderline, gaslighting, ghosting, gatilhos, julgamentos de personalidade baseados em ascendentes astrológicos etc etc etc.
O que significa que a produção dirigida por Halina Reijn deverá encontrar seu lugar com facilidade entre a chamada Geração Z, mas poderá ter mais dificuldade em conquistar outros públicos menos apegados a (obcecados por) conteúdos questionáveis em redes sociais.
A história se passa em uma suntuosa mansão, onde um grupo de jovens ricos (e mimados) se reúne para “curtir” (entenda-se drogar-se e fazer vídeos aleatórios) durante uma grande tempestade.
Tudo caminha dentro do esperado, até que surge a ideia do jogo que dá nome ao filme: uma espécie de “Detetive”, em que um dos participantes assume o papel de assassino, e os outros precisam fugir dele, enquanto tentam descobrir sua identidade.
Essa é a premissa para que os personagens apareçam mortos (obviamente), numa crescente que se baseia em segredos do passado de cada um, mentiras reveladas e explicações rasas sobre o que levou às desconfianças impostas a figuras que pouco acrescentam à narrativa.
Por querer abarcar vários gêneros ao mesmo tempo (comédia, terror, horror, suspense), a produção da A24 acaba se perdendo em vários momentos. Sequências que deveriam inspirar aflição nos espectadores (incluindo as que migram para o slasher) são realizadas de modo a causar confusão e até mesmo risadas. Se essa era a intenção da roteirista, deu certo, mas se não era…
Sim, há pontos positivos no filme: entre as interpretações, Amandla Stenberg, Maria Bakalova e Rachel Sennott são as que conseguem despertar talvez algo próximo de interesse no público. Por outro lado, Lee Pace, embora sempre seja uma boa adição ao elenco, parece – assim como qualquer um que tenha mais do que a idade dos outros personagens – meio perdido em cena.
Seria injusto não ressaltar os dois minutos finais que são, de fato, surpreendentes e conseguem ser o que há de melhor em tela. De tudo que eu cogitei durante os 94 minutos de duração do longa (tentando dar algum sentido ao que estava vendo), confesso não ter passado nem perto dessa conclusão – ponto para a originalidade. Pena que uma boa solução mostre-se tardia para uma proposta que quase não funciona na maior parte do tempo.
por Ana David – especial para CFNotícias
*Título assistido em sessão regular de cinema.