Crítica: Instinto Materno

“Instinto Materno” (Mother’s Instinct) é um filme dramático que também tem um aspecto policial. Ou, dito de outra maneira, policial-dramático, com fortes elementos psicológicos.

Expliquemos: há duas vizinhas que têm um vínculo de amizade, com base nas idades e posição socioeconômica similares, além de ambas serem mães de meninos que também são amigos.  Céline (Anne Hathaway) e Alice (Jessica Chastain), no início do relato, participam de uma festa de aniversário familiar com os filhos, esposos, avós e amigos. Tudo muito cordial e próprio de uma classe média estadunidense bem acomodada.

Porém, como também pode ser característico destes vínculos – e de tantos outros -,  por trás dessa cordialidade há um leve ar de suspeita. Será tudo mesmo tão “bonitinho”, “arrumadinho”, quase perfeito ?. Tais perguntas apontam, sobretudo, para a relação de amizade dessas mães.

O cenário começa a desmoronar de uma forma terrível quando morre acidentalmente Max (Baylen D. Bielitz), um dos meninos, filho de Céline. O fato arrasador se instala de um modo irreparável e permanente, embora existam esforços anímicos para tentar superá-lo, “elaborar o luto”. Um “detalhe” (entre aspas pois não é algo secundário) é que Céline já não poderá ter mais filhos.

Tal vez pior no sentido de acrescentar-se à morte, resultam ser as acusações que mãe e avó do menino morto, fazem a Alice, de diversas maneiras. Será que ela tem algum grau de culpa por não ter prestado devida atenção a Max? Aliás, também aparecem excessivas preocupações dela como mãe e, até, com antecedentes psiquiátricos.

Embora haja a afirmação de que “cada pessoa lida com a tragédia de uma maneira diferente” (como acertadamente diz um dos personagens), vão prevalecendo os traços mais negativos, mais escuros. O clima psicológico de “Instinto Materno” vai, passo a passo, ficando cada vez mais pesado.

Gradativamente surge uma virada de gênero que, de um começo bastante convencional e banal, passa a ser um drama denso, um policial intrigante, com ameaças, crueldades várias, sangue e um final exatamente contrário às primeiras sequências. Assim, a aparente banalidade cede lugar ao drama profundo e, em especial e derradeiramente, ao policial.

Detalhes de objetos perigosos (uma faca), situações deliberadas ou casualmente sinistras (um boneco deixado dentro de um caixão fúnebre; assistência de Céline a uma festa na escola onde era aluno seu filho morto; aproximação do amiguinho à sacada onde tinha acontecido a morte), e diversas colocações que, propositalmente, semeiam dúvidas sobre as personalidades e ações de ambas as mulheres/mães, defrontam ao espectador com fatos eventuais e possíveis rumos da trama.

Pelos acontecimentos e pela densidade patológica dos personagens, este título  faz lembrar a Claude Chabrol, famoso diretor francês de obras como “A Cerimônia” (La Cérémonie, 1995), onde o perverso/sinistro prevalece. Claro que “Instinto Materno”, ainda sem chegar a esse nível, produz certo espanto. Para outros espectadores, em alguns sentidos se aproxima de obras de Alfred Hitchcock. Em especial, de “Quando fala o coração” (Spellbound, 1945), no qual uma brincadeira de meninos termina em morte e tem suas repercussões na vida adulta do personagem vivido por Gregory Peck.

Como dado complementar deve-se dizer que, em 2018, houve uma produção belga chamada “Duelles” com roteiro de Bárbara Abel e Sarah Conradt, as mesmas que agora assinaram “Instinto Materno”. Até com duração similar (1h 37’ e 1h 34’), porém com outro diretor e elenco diferentes àquele anterior.

Segundo declarações de Anne Hathaway, ela e Jessica Chastain (ambas ganhadoras do prêmio Oscar e atuando em seu 38º e 37º longa-metragem, respectivamente) tiveram a ideia de realizar um “remake” com ambientação e estilo estadunidenses e, para isso, procuraram como diretor o francês Benoît Delhomme, fotógrafo com muitos antecedentes e assumindo agora seu primeiro longa-metragem.

Em resumo, é título policial-dramático com muitos elementos de psicologia profunda, densidade dramática e trama que vai mudando até chegar a um final que faz refletir sobre o instinto maternal. Até onde um traço feminino positivo pode mudar e voltar-se a algo muito ruim, extremamente maldoso.

por Tomás Allen – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Imagem Filmes.