Crítica: Entrevista com o Demônio


Desde a estreia do programa de entrevistas do Jô Soares, o formato de talk shows norte-americanos foi se popularizando exponencialmente, ano após ano, no Brasil, sendo imitado e reinventado de várias formas, dependendo da emissora que idealizava o programa.

Por conta da popularização mais recente desse tipo de atração que “Entrevista com o Demônio” (Late Night with the Devil) provavelmente vai cair como uma luva no gosto do brasileiro. Isso porque os diretores Cameron e Colin Cairnes conseguem abordar em sua trama, dois aspectos que são bem conhecidos do público local: a busca por fama a qualquer custo e o exagero no sensacionalismo em canais abertos.

Na história, acompanhamos o apresentador Jack Delroy (David Dastmalchian), do talk show noturno “Night Owls”. Após um período afastado das telas devido ao luto pelo falecimento de sua esposa, Madeleine Piper (Georgina Haig), ele decide alçar o programa a altos índices de audiência novamente.

Para isso, prepara várias atrações de cunho extraordinário e sensacionalista na noite de Halloween. Porém, quando acontece a entrevista com a garota Lilly (Ingrid Torelli) – que, supostamente, está possuída por um demônio – os ânimos no palco começam a se acirrar, com fenômenos sobrenaturais acontecendo ao vivo, enquanto revelações pessoais sobre os presentes são feitas pela suposta entidade.

Um dos elementos mais impressionantes do longa é sua capacidade de ambientar toda a narrativa em um único cenário (o palco do “Night Owls”), sem deixá-la cansativa ou enfadonha. Tal fato se deve, em especial, à direção dinâmica dos irmãos Cairnes e à aula de interpretação de Dastmalchian, que entrega um personagem claramente falso (e em alguns momentos desprezível), porém identificável a ponto de nos despertar a curiosidade para saber os desdobramentos dessa trama orquestrada por ele.

Outro destaque quanto às atuações vai para a jovem Ingrid Torelli, que transita em entregar uma figura frágil e nitidamente traumatizada, com uma entidade demoníaca que pode (ou não) ser um delírio da mente perturbada da garota. Desde Linda Blair em “O Exorcista” somos expostos a esse tipo de personagem, mas raros são os casos deles serem convincentes. Nesse filme, em específico, temos uma dessas joias raras.

O longa é ambientado nos anos 1970 e, desde o formato da tela, até os efeitos visuais utilizados para criar as manifestações sobrenaturais são emulados desse período. O que para alguns pode parecer mal feito, para um olhar mais atento pode ser mais uma peça no quebra-cabeça que o roteiro entrega.

Afinal, muito mais do que um título de terror, o filme tece uma crítica inteligente a busca excessiva por fama e audiência, o que às vezes, leva comunicadores a apresentarem atrações sensacionalistas e de extremo mau gosto – situações essas que nós, brasileiros, presenciamos com frequência nos programas dominicais na TV aberta dos anos 1990.

Com uma apresentação criativa, atuações extraordinárias e uma história que consegue ser perturbadora e crítica ao mesmo tempo, “Entrevista com o Demônio” se consagra como uma das melhores e mais criativas obras de terror dos últimos anos. Utilizando seu baixo orçamento como combustível para a criatividade de seus idealizadores e entregando uma narrativa que ainda gera discussões sobre seu desfecho, muito tempo depois do que os créditos terminaram de subir.

por Marcel Melinsk – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Diamond Films.