Crítica: Emilia Pérez

A representação das culturas latino-americanas no cinema, muitas vezes generalizada, tem gerado debates sobre os impactos dessa abordagem para audiências fora da região. Ao tratar dessas histórias e personagens, o cinema frequentemente adiciona estereótipos, não levando em consideração as nuances que definem os diferentes povos.

O povo mexicano, por exemplo, é distinto do colombiano, e a riqueza dessa diversidade cultural deveria ser mais bem explorada. Nesse contexto, “Emilia Pérez” (Emilia Pérez), novo filme de Jacques Audiard, se apresenta como um recorte — embora limitado — da cultura mexicana, que busca abordar questões complexas sobre identidade, redenção e a busca por um futuro melhor.

Indicada a várias categorias no Oscar 2025, inclusive a Melhor Filme, a produção narra a trajetória de Emilia Pérez (interpretada por Karla Sofía Gascón), uma mulher trans que, após liderar uma facção de narcotráfico no México, decide abandonar a vida criminosa e realizar seu sonho de transição de gênero. Anos depois da cirurgia de redesignação sexual e do rompimento com sua família, Emília decide procurar seus filhos e ex-esposa, tentando lidar com as cicatrizes de seu passado e reconstruir uma nova vida.

O filme, no entanto, falha ao abordar a cultura mexicana de forma significativa. Embora seja uma produção francesa, é importante destacar que “Emilia Pérez” se utiliza de estereótipos simplistas ao retratar o México, apresentando o país como um lugar de violência, corrupção e desumanidade, onde apenas alguns buscam o bem. Essa visão rasa não faz justiça à complexidade da sociedade mexicana e diminui o impacto que a história poderia ter ao explorar, de maneira mais aprofundada, as questões sociais e culturais envolvidas.

Em relação ao elenco, é impossível não notar a performance de Zoe Saldaña, que, embora divida o protagonismo, se destaca em sua atuação. Sua interpretação da advogada Rita Mora Castro é sólida, e ela mantém o espectador conectado à narrativa, funcionando como o motor da história. Em contrapartida, Karla Sofia Gascón, apesar de cumprir bem o papel de Emília Pérez, entrega uma performance sem grandes surpresas, equilibrando-se entre momentos de intensidade e contenção, sem, no entanto, exibir grandes falhas ou conquistas.

No entanto, um dos maiores problemas do longa é a interpretação de Selena Gomez como a ex-esposa (antes da transição, ainda quando era o traficante “Manitas”) de Emilia. Sua atuação é, por vezes, inconvincente, com expressões que não transmitem a profundidade emocional da personagem e um espanhol forçado que compromete ainda mais sua credibilidade.

Como um musical, a obra tenta se apoiar em cenas de fantasia para explorar temas como a identidade e a transformação pessoal, utilizando a liberdade criativa para gerar empatia e engajamento com o público. Embora algumas dessas cenas, especialmente as de carga emocional familiar, sejam eficazes, a maioria não consegue manter o espectador imerso, deixando uma sensação de superficialidade na construção do universo narrativo.

Embora tenha potencial para brilhar durante a temporada de premiações, é um filme que corre o risco de perder relevância com o tempo. Seus méritos — especialmente os debates que traz à tona sobre gênero, a violência do narcotráfico e o desejo de redenção — são inegáveis, mas sua abordagem rasa e a falta de profundidade cultural fazem com perca certo peso histórico e narrativo.

Em última análise, “Emilia Pérez” oferece uma reflexão importante, mas, infelizmente, falha em entregar uma representação autêntica e rica da cultura mexicana, ficando aquém do que poderia ser uma poderosa obra cinematográfica.

por Artur Francisco – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Paris Filmes.