Crítica: Assassino por Acaso


Engenho, astúcia, drama, romance, situações policiais, outras cômicas, reviravoltas muito bem elaboradas e até mesmo considerações psicológicas e antropológicas. Todos esses elementos estão presentes na trama concebida e realizada em “Assassino por Acaso” (Hit Man).

O enredo apresenta Gary Johnson (Glen Powell), professor de psicologia que, de modo complementar trabalha como informante da polícia. Na qualidade de docente, ministra aulas introdutórias com bastante competência. Como agente policial, a vida é mais agitada.

Deve assumir a aparência de um assassino profissional e conseguir que contratantes de tais sicários entreguem provas suficientes para serem arrestados, impedidos de cometer esses crimes e, depois, julgados para serem condenados. Para tais efeitos, deverá assumir diversos aspectos com disfarces e ter muita inteligência e lábia nas conversas com os potenciais mandantes.

As entrevistas se sucedem e são monitoradas por oficiais da polícia. Cada caso resulta ser um desafio especial e o espectador do filme pode apreciar o modo como se sucedem os argumentos, onde se cuida cada palavra ou se utiliza o silêncio como fator alusivo ou elusivo.

É evidente, ainda que não dito diretamente, que a primeira condição ajudará Gary (agora chamado “Ron”) a ter essas habilidades.  Depois, nos julgamentos, aos quais deve comparecer, nada será simples e os advogados defensores centrarão sua tarefa em colocar em xeque a ele. Pior ainda, as coisas começam a complicar-se mais já que sua tarefa representa o deslocamento de Jasper (Austin Amelio), um agente que previamente estava realizando-a e não aceita a decisão superior.

Entremeio, não faltarão momentos cômicos e, também, a sedução, o sexo e o romance encarnado em Madison Masters (Adria Arjona), atrativa figura feminina que está procurando eliminar o seu esposo. A partir daqui, o relato cobrará novos rumos e o gênero cinematográfico que prevalecerá será o policial, com ingredientes próprios do mesmo. Ou seja: do engenhoso, divertido e algo intelectual passa-se a um clima noir, chegando a um final que resolve problemas e fecha bem o percurso, mas é questionável para uma ética mais estrita.

A verdadeira identidade e personalidade dos personagens resultam ser um tema central, inclusive, para ser desvendado pelo próprio espectador, embora a realização não seja densa nem cansativa, ainda que com algumas leves repetições. Esse tema de quem é cada um, é abordado nas aulas, onde o professor Gary Johnson diz que “o Eu no qual nós acreditamos ser, é apenas uma construção; mas que, por isso mesmo, podemos mudar”. Assim, “o novo Eu agiganta-se e o antigo continua, porém, diminuído”.

E há muitos outros elementos psicológicos e éticos que enriquecem totalmente o relato. Como exemplo dos primeiros, a diferença (ou coincidência?) entre o que se é e o que se faz; a ausência de empatia que caracteriza um assassino profissional – e que essa falta pode ajudar a descobri-lo como tal -; o que se deve ter para matar; a surpreendente e, ao mesmo tempo, conhecida passagem do amor ao ódio; afirmações contraditórias sobre o divórcio ditas por Madison etc. E como ilustrações dos segundos, a justiça pessoal por si mesma; o homicídio como única saída; a verdade está dada por diversos pontos de vista; a “realidade” muda.

Destacam-se as muito boas atuações de Glen Powell e Adria Arjona (incluindo respectivos sutis movimentos labiais que denotam sentimentos e emoções), bem acompanhados por Austin Amelio. O ponto central de “Assassino por Acaso” está em seu roteiro muito bem elaborado, a três mãos: Skip Hollandsworth (ideia inicial), Glen Powell (em dupla função como ator e co-roteirista) e Richard Linklater (diretor e também co-roteirista). As mudanças de rumo que vão acontecendo são muitas e extremamente enriquecedoras. O único senão, em meio a tantas virtudes, mas que não compromete totalmente, é a de ser um filme com muitas falas.

Mas o resultado é positivo: “Assassino por Acaso” é uma obra de duas horas de duração que contém todas as variantes resumidas aqui, fundamentado em um roteiro muito bom e com excelentes atuações.

por Tomás Allen – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Diamond Films.