Crítica: “A Grande Jogada”
A Grande Jogada conta a história real da mulher que comandava a mesa de pôquer mais exclusiva do mundo. O filme está indicado a categoria de Melhor roteiro adaptado do Oscar 2018, originado pelo livro de mesmo título escrito pela real Molly Bloom. Esquiadora e prestes a obter uma conquista significativa nos Jogos Olímpicos, Bloom sofre uma fatalidade e se vê afastada definitivamente do esporte. Nesta nova vida, ela tira um ano de folga em Los Angeles como garçonete, quando se inicia no mundo do pôquer e passa a ver que pode coordenar mesas clandestinas cheias de poderosos e ganhar dinheiro com facilidade.
Molly Bloom (Jessica Chastain) é uma personagem que facilmente encanta. O fato de se ver uma mulher, em meio a tantos homens, coordenando algo tão complexo como esses jogos, apresentando uma sagacidade enorme, é o que faz do filme uma história válida a ser contada. Bloom acessou um mundo absurdamente restrito. E obter poder nesse mundo é ainda mais raro. Vemos também o contraste entre esse sonho americano formatado por Bloom que começa a se quebrar e a justiça representada pelo advogado Charlie Jeffrey (Idris Elba).
Pode-se dizer que o problema central do filme é o seu ritmo. Apesar de ter um elenco excelente e um tema válido, o trabalho de Aaron Sorkin na direção e no roteiro torna o longaum experiência verborrágica demais. Os diálogos são acelerados e cheios de conteúdo profundo sobre pôquer. Em filmes como Rede Social e Steve Jobs, Aaron Sorkin utiliza o mesmo recurso da verborragia. Diante disso, o filme não deixa ao espectador a chance de, em alguns instantes, absorver o que está vendo.
Embora exceder demais na verborragia possa ser um problema, A Grande Jogada não entedia. Pelo contrário, as duas horas passam de modo imperceptível. Porém, o silêncio, o uso da trilha sonora ou uma edição com um corte mais cuidadoso entre uma cena e outra, visando a compreensão de seu conteúdo, seriam bem-vindos para amenizar o ritmo acelerado.
O seu didatismo é necessário em várias situações. Somos apresentados de forma adequada ao universo do pôquer. Todo o glamour efêmero e o desespero pelo dinheiro são bem pontuados na trama, bem como o impacto disso no comportamento da protagonista. Uma boa escolha para a narrativa foi misturar flashback com o presente do filme, entre Molly e o advogado.
Quanto aos atores, Jessica Chastain concede força à personagem e a faz se fascinante diante dos olhos do espectador. É ela quem carrega o filme. A Grande Jogada destaca a sua inteligência em inúmeros momentos, o que é uma qualidade a ser ressaltada, já que não resume Molly Bloom à sua aparência física. A inteligência de Molly Bloom a leva a lugares em que a linha que estabelece limite do que é legal e ilegal é tênue, confusa, nebulosa.
Jessica Chastain e Idris Elba, como supostos personagens contraditórios entre si, funcionam muito mais pelo talento de ambos, do que necessariamente pelo o que o roteiro oferece. Entre as inúmeras informações sobre pôquer e um maior desenvolvimento dos personagens, Sorkin opta por enfatizar a primeira opção. Comparando com o livro do qual o filme foi originado, a voz de Bloom se assemelha ao que ela conta: o livro é igualmente interessante, com uma escrita fluída e sofisticada, mas com momentos em que também conhecemos mais sobre sua vida pessoal e o que pensa.
Mesmo para o espectador, por vezes o filme deixa em dúvida se o processo sofrido por Bloom é, de fato, justo. As respostas que o roteiro dá são um tanto apressadas ao final, com uma cena e outra – a do aparecimento repentino do pai de Bloom em um rinque de patinação, por exemplo – descolada da realidade, o que enfraquece um pouco as intenções do filme. Quando precisa lidar com situações relacionadas à trama pessoal de sua personagem, Sorkin, às vezes, parece escolher caminhos apressados que apenas reproduzem clichês.
É verdade que, mesmo pontuando essas falhas no roteiro e na direção, A Grande Jogada é um filme agradável de se assistir, e que cresce quando se lê o livro e percebe-se porquê a história de Molly Bloom é tão interessante. Ele possibilita abrir as cortinas para um universo impermeável e vivenciamos, com a personagem, todo o seu caminho. O ritmo verborrágico exige que o espectador não pisque, e a peculiar jornada de Molly Bloom consegue prender satisfatoriamente o seu público até o fim.
por Marina Franconeti – especial para a CFNotícias