Crítica: A Baleia


Darren Aronofsky, diretor deste filme, possui antecedentes bastante notórios apresentando um realizador com traços fortes e impactantes. “Cisne Negro” (2010) e “Mãe!” (2017) são alguns de seus longa-metragens. Com seu último trabalho, “A Baleia” (The Whale) traz um relato que pode criar diversos tipos de emoções nos espectadores: desde alguma repulsa e rejeição, até a identificação e compaixão com o protagonista e, eventualmente, com outros personagens.

Por tanto, aqueles que conhecem as características de Aronofsky não se surpreenderão de encontrar-se com um drama severo. Em “A Baleia”, Charlie (Brendan Fraser), é um professor que ensina como escrever, com observações fundamentais: “clareza e persuasão são os objetivos quando se cria um texto”; “corrigir e corrigir uma e outra vez é necessário”.

Esta índole educacional em literatura estará presente também no vínculo com sua filha e com “Moby Dick”, romance de Herman Melville, com o qual haverá uma estreita comparação. As crenças religiosas e o papel das igrejas – quiçá tentando ajudar aos demais – também serão motivo de análise e discussões.

No que se refere às relações pessoais mais próximas, estas são conflituosas ou tensas. Principalmente com Ellie, sua jovem filha (Sadie Sink), e com Mary, sua ex-esposa (Samantha Morton). Em menor medida, com Liz, sua enfermeira/cuidadora/amiga (Hong Chau) e com Thomas, um visitante religioso (Ty Simpkins).

Um erro cometido no passado, e que atingiu principalmente a sua esposa e sua filha, assombrará sua vida. Anos atrás, quando estava casado e sua filha tinha oito anos de idade, ele se apaixonou por outro homem e abandonou sua família. Agora ele reconhece que, embora apaixonado, cometeu uma falha ao deixá-las. Ele mesmo é quem define como erro aquela situação e isso o atormenta severamente.

Em decorrência do fato, vive uma terrível e extrema somatização que, originada na auto-consciência acusadora, o levou a uma obesidade mórbida, com consequências cardiológicas e motrizes – definida no filme como “insuficiência cardíaca congestiva por obesidade”. Embora seja um professor muito bom, não tem paz nem interna, nem externa – principalmente com a filha que o rejeita e acusa daquele abandono.

A sensação de culpa (luta entre o desejo/amor e a vontade/dever) e a somatização são elementos que a psicologia e psiquiatria atuais expõem como fatores importantes na vida das pessoas. E, caso se aceite a psicanálise, também há uma grave deterioração no complexo de Édipo – onde a filha tem um vínculo emocional muito intenso com o pai. No filme, isso está dramaticamente exposto, não em modo teórico, mas sim como vivência do protagonista. O relato se torna carregado e até angustiante.

Há boas atuações, em especial de Hong Chau (nominada ao Oscar como atriz coadjuvante) e de Sadie Sink (a filha). Os outros atores também cumprem acertadamente com seu papel. Claro que, sobretudo, o trabalho de Brendan Fraser é descomunal. Não só fisicamente, onde parece haver até certo exagero, mas como composição do personagem. Faz lembrar outros personagens bastante famosos na história do cinema pelas grandes transformações físicas: Robert De Niro em “Touro Indomável” (Raging Bull, 1980) e John Hurt em “O Homem Elefante” (The Elephant Man, 1980). Fraser, agora, é firme candidato a ganhar o próximo Oscar como ator principal.

Curiosamente, os temas do extraordinário e do homoerotismo não são novos para Fraser, que trabalhou em “Deuses e Monstros” (1998), de Bill Condom, que abordava os últimos anos do cineasta James Whale, um dos precursores do cinema de horror.

Os vínculos e perfis dos personagens estão bem delineados. Desde a enfermeira, compreensiva e que vai além do estritamente profissional, até a filha, “incrível” (segundo repete o pai), porém ressentida, e definida pela mãe não só como rebelde e difícil, mas como uma pessoa cruel. Crueldade evidente não apenas com o pai, mas também com outras pessoas. Além do que fala a sofrida e também dura mãe, isso fica caracterizado em situações e imagens.

“A Baleia” não deixa de transmitir ecos de tragédia grega – isto é, um drama com caráter inevitável e no qual o herói não pode fazer nada para solucionar os problemas em que está imerso. Aliás, quanto mais faz, pior fica. O protagonista é uma vítima impotente de si mesmo, dos outros e do que vai acontecendo.

Outra associação que faz lembrar os pensadores gregos é Charlie e a definição da condição humana. Eles disseram que os seres humanos podem ser comparados a barquinhos que, estando no alto mar, sofrem por serem assolados pelas ondas e o vento. Esses fatores são as paixões que só podem ser equilibradas por uma sólida atitude ética. Charlie, justamente, é um humano frágil, vítima de suas pulsões.

Falando em expressão cinematográfica, “A Baleia” se aproxima do teatral, pois se passa em uma habitação só e possui muitas falas, porém não chega a extremos e as boas atuações prevalecem. Como em tantas outras oportunidades, o balanço final vai depender muito das próprias experiências do espectador, sua história de vida e similitudes com os personagens, além daquilo já antecipado, a capacidade de cada um lidar com um drama/tragédia denso.

por Tomás Allen – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela California Filmes.