Crítica: Memórias de um Caracol

Chega nesta semana aos cinemas brasileiros, “Memórias de um Caracol” (Memoir of a Snail), a mais recente animação do premiado diretor australiano Adam Elliot, conhecido por obras sensíveis como “Mary e Max – Uma Amizade Diferente” (2009) e “Ernie Biscuit” (2015).

Indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro, o filme mantém a estética característica do diretor: o stop motion artesanal, de cores saturadas, que mescla o grotesco ao poético com uma maestria ímpar.

A trama acompanha Grace Pudel (voz de Sarah Snook), uma excêntrica e melancólica colecionadora de caracóis, cuja vida é marcada por uma sequência de perdas, rejeições e pequenos absurdos cotidianos.

Em meio à desordem emocional e social que a cerca, Grace encontra em sua amizade com Pinky (Jacki Waever)— uma idosa espirituosa — um raro sopro de afeto e aceitação. Juntas, elas revelam que há beleza nos laços mais improváveis, e que até mesmo a tristeza pode carregar certo tipo de ternura.

Com seu humor ácido e uma sensibilidade aguda para a tragédia cotidiana, Elliot constrói uma narrativa que beira o autobiográfico e que ressoa com temas universais: o bullying, o abandono familiar, a busca por pertencimento e as cicatrizes do amor.

A escolha dos caracóis como metáfora é particularmente eficaz — lentos, vulneráveis e persistentes, eles simbolizam a maneira como seguimos em frente, mesmo quando tudo parece estagnado.

Visualmente, o filme é um deleite. O estilo de animação, embora peculiar, é tecnicamente primoroso e emocionalmente expressivo. Cada personagem parece moldado com camadas de histórias não ditas, cada cenário transborda subjetividade. A melancolia estética, aliada a um roteiro afiado e comovente, faz da produção uma experiência cinematográfica singular.

Mais do que uma animação, é uma ode à vulnerabilidade humana. Revela-se aos poucos, como o caracol do título — lentamente, mas com profundidade e propósito. É o tipo de narrativa que permanece com o espectador muito depois dos créditos finais.

Indispensável para quem valoriza a animação como forma de arte e expressão emocional, o longa reafirma Adam Elliot como um dos grandes contadores de histórias do cinema contemporâneo. Profundo, tocante e visualmente inesquecível, “Memórias de um Caracol” é, sem exagero, uma pequena obra-prima.

por Artur Francisco – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Mares Filmes.