Crítica: O Auto da Compadecida 2
O cinema brasileiro possui clássicos que permanecem vivos na memória coletiva do público, e um dos mais marcantes é “O Auto da Compadecida” (2000), dirigido por Guel Arraes. Mesmo após 24 anos, continua sendo lembrado não só por sua trama cativante, mas também pelas atuações excepcionais. Agora chega aos cinemas uma inédita sequência baseada na obra teatral de Ariano Suassuna, lançada em 1955.
Antes de abordar a produção em si, é importante destacar que a peça de Suassuna nunca teve uma continuação. Nesse contexto, o filme aproveita elementos de outras obras do autor para criar uma nova narrativa.
A direção segue nas mãos de Guel Arraes, com a co-direção de Flávia Lacerda, e conta com o retorno do trio icônico formado por Matheus Nachtergaele, Selton Mello e Virginia Cavendish, que reprisa seus papéis de João Grilo, Chicó e Rosinha, respectivamente. Suas atuações estão entre os grandes destaques.
Matheus Nachtergaele, uma das figuras mais importantes da dramaturgia brasileira, reafirma sua genialidade ao reviver João Grilo. Suas piadas, suas histórias e as explicações de seu paradeiro ao longo dos últimos anos são elementos essenciais para a comédia, arrancando risadas genuínas dos espectadores. Mas não só ele brilha: Selton Mello, como um Chicó mais velho, mantém o espírito irreverente, com a mesma leveza e carisma. Já Virginia Cavendish, com uma aparição surpresa e bem introduzida, fecha o trio com sua contribuição, fazendo jus à importância de sua personagem.
O roteiro é inteligente ao abordar a continuação de maneira natural. Ele faz piadas com as próprias expectativas do público, desmistificando o “elefante branco” da história e permitindo que o enredo se desenvolva sem perder a magia do original.
Além disso, o longa não se limita a trazer a trama para os tempos atuais, mas também faz críticas sociais e políticas, abordando a realidade brasileira de maneira perspicaz e divertida. A ampliação da história para além do universo nordestino também é um ponto interessante, com a introdução de outras culturas brasileiras.
Novos personagens são apresentados com maestria, conectando ainda mais o título aos tempos contemporâneos. O radialista Arlindo, interpretado por Eduardo Sterblitch; o político Coronel Ernani (Humberto Martins); a socialite Clarabela (Fabiula Nascimento); a doce Iracema (Luellem de Castro; o fanfarrão Omar (Juliano Cazarré) e o trambiqueiro Antônio do Amor (Luis Miranda) são peças essenciais para a dinâmica da história. Aliás, Luis Miranda entrega uma performance impecável, com seu personagem se tornando um dos maiores pontos de destaque e humor.
E não podemos esquecer da Compadecida, interpretada por Taís Araújo. Embora a comparação com a inesquecível atuação de Fernanda Montenegro seja inevitável, a produção consegue reinventar esse icônico papel de maneira única, mantendo a essência da figura sagrada do catolicismo, mas apresentando-a sob novas formas, com uma abordagem extremamente bem adaptada à proposta.
Em resumo, “O Auto da Compadecida 2” não é apenas uma continuação de um clássico, mas também uma obra que traz à tona elementos do cotidiano e das questões sociais de forma inteligente e engraçada, tal como Ariano Suassuna fazia em sua época. É um filme para rir, mas também para refletir, e que merece ser visto por todos.
por Artur Francisco – especial para CFNotícias
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela H20 Films.