Crítica: Arca de Noé
Quarenta e quatro anos já se passaram desde o lançamento do disco “A Arca de Noé”. Tanto tempo depois e este (que um ano depois ganhou uma sequência) segue como meu vinil favorito de infância.
O amor é tanto que me faz lembrar, ainda hoje, das letras de suas canções – criadas a partir do livro de poemas de Vinicius de Moraes – que souberam me fazer rir cada vez que ouvia “Lá vem o pato, pato aqui, pato acolá!”, emocionar com a Corujinha (cruelmente julgada como feia) e desejar conhecer a Casa muito engraçada que não tinha teto, não tinha nada.
Ver tais obras transportadas para a tela de cinema foi algo quase mágico. Escrita por Sérgio Machado (com a colaboração de Heloísa Périssé e Ingrid Guimarães), a trama de “Arca de Noé” nos apresenta Tom (voz de Marcelo Adnet) e Vini (Rodrigo Santoro), dois ratinhos boêmios que se veem diante do dilema que a chegada de um implacável dilúvio impôs: a permissão para que apenas um macho e uma fêmea de cada espécie animal embarcassem na arca construída por Noé (Júlio Andrade), a mando de Deus.
Enquanto busca uma maneira de salvar suas vidas, a dupla de amigos se verá diante de perigosas figuras como o Leão Baruk (Lázaro Ramos) – cujo ar de realeza não é tão grande quanto ele pensa – e sua asseclas Hienas (Mônica Iozzi e Babu Santana), sempre a um passo de transformar qualquer um que cruze seu caminho em uma presa fácil.
Já dentro da embarcação, Tom e Vini acabam participando de um Show de Talentos entre os animais, a fim de definir quem deve assumir o comando durante a longa viagem até que cheguem à terra firme. E essa é a justificativa perfeita para entregar trechos (que variam de apenas uma frase a estrofes inteiras) de icônicas canções dos antigos LP’s.
A verdade é que há tanto conteúdo maravilhoso, que pareceu injusto deixar algumas faixas de fora, ainda que fosse impossível acrescentar outras informações ao longa, sem saturá-lo. Fato que poderá ser ajustado com a notícia de que uma sequência da animação já está sendo desenvolvida, assim como uma série derivada.
Com a necessidade de ser criar uma narrativa onde se pudessem incluir as letras das músicas de modo natural, houve o surgimento de novos personagens, incluindo a adorável Susaninha (Rihanna Barbosa), neta de Noé e Ruth (Edvana Carvalho), que vai ajudar os animais na missão de produzir o show. E o divertidíssimo Alfonso (Gregório Duvivier), uma barata latina que tem jeito para tudo.
Quem também passa por modificações óbvias é o texto, que mescla modernidade (através da inserção de referências atuais, como uma frase de Silvio Santos e seu “Show do Milhão”, um trecho de “Águas de Março” e uma citação – permitida para menores – de “Cidade de Deus”) e respeito pela época em que acontece a icônica passagem bíblica da construção da arca, narrada em Gênesis. E faz isso muito bem.
Dirigida por Sérgio Machado e Alois Di Leo, “Arca de Noé” tem camadas que devem atrair públicos diferentes, seja quem conhece a obra literária / musical na qual se baseia, ou quem apenas procura por uma animação agradável para assistir.
por Angela Debellis
*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.