Crítica: O Colibri

“O Colibri” (Il Colibri / The Hummingbird) encaixa nas características que os dicionários e enciclopédias dão de obras teatrais, literárias e cinematográficas ou, ainda, de estados psicológicos: “género em que há conflito”, “acontecimento ou estado comovente, doloroso, emocional ou triste”, “comoção causada por uma experiência desgastante ou de sofrimento”.

A trama apresenta a vida de Marco Carrera (Pierfrancesco Fantino), com seus encontros e desencontros com diverso tipo de situações-limites, principalmente com duas mulheres. O filme mostra essas relações depois de um começo narrativamente bastante confuso, já que nas sequências iniciais aparecem sete personagens que brigam entre si e há lutas psicológicas bastante fortes.

Porém, o percurso vai passando a um plano mais aprofundado. Continua com alguma cena de amor/sexo, um suicídio e, já no trilho principal, um acidente de aviação do qual duas pessoas se salvam de forma providencial. Trata-se, justamente, do casal Marco Carrera-Marina Molitor (a polonesa Kasia Smutniak). Aquele acidente os unirá em matrimónio e terão uma filha, mas nada será simples.

Vai aparecer outra mulher, Luisa Lattes (a argentina Bérénice Bejo). Se a primeira relação era complicada, a segunda contém um novo paradoxo: casado, embora apaixonado, Carrera não quer ter relações sexuais com Luisa para manter-se, de alguma maneira, fiel a sua esposa. Ao menos, não trair sexualmente. Numa época de infidelidades que se dão em grande número e de escasso cuidado dos outros, a atitude deste personagem resulta curiosa.

Porém, a maneira de interpretar essa dualidade em vários níveis não é única. E o espectador pode fazer-se várias perguntas: ele, desta forma, está traindo ou não a esposa? É valente ou covarde? Está certo o que faz?

Como dito, o drama está vinculado a um conflito – ou a diversos. E as perguntas anteriores no filme dão lugar a fortes acusações contra Carrera. Aliás, há outros paradoxos nele. Por exemplo, em uma situação (com relato prévio pouco esclarecedor), se produz a rejeição de parte do protagonista de uma elevada quantia de dinheiro. A interpretação, mais uma vez, deve ser dada pelo espectador.

Finalmente, aparece um personagem muito interessante. É o terapeuta de Marina Molitor, que, quase inevitavelmente, também se vincula com o esposo dela. O diálogo que dá margem a este novo nexo tem complexidades e pode resultar instigante. O profissional se chama Carradori e está interpretado de modo sóbrio e muito apropriado pelo experiente Nanni Moretti, quem já tinha encarnado um psicanalista em “O quarto do filho” (2001). Aliás, em geral, o filme tem boas interpretações.

A diretora, Francesca Archibugi, oferece duas citações sobre o colibri. Ambas podem resultar centrais para definir o atormentado Carrera. Uma refere que esse pequeno pássaro destina toda sua energia a um movimento que não o desloca de lugar; pese a todo, permanece sempre ali. A outra, tomada dos astecas, diz que o humano que morre de forma valente se transforma em colibri. O espectador poderá relacionar esta última lenda com o longa.

Em resumo, “O Colibri”, tem algumas falhas narrativas, porém as supera e não deixa de ser, em alguns sentidos, um filme instigante.

por Tomás Allen – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Pandora Filmes.

*Crédito das imagens: Enrico de Luigi.