Crítica: Os Fabelmans


A metalinguagem sempre foi uma querida em Hollywood e nela o diretor Steven Spielberg revive recortes de sua infância e adolescência em seu novo longa que chega exclusivamente aos cinemas: “Os Fabelmans” (The Fabelmans).

Ao aguçar a curiosidade de todos, viajamos para os anos 1950 e 1960, para conhecer em detalhes o nascimento de uma paixão – o cinema – e uma ferida familiar que se tornou o assunto de uma de suas primeiras filmagens amadoras: a separação de seus pais.

Tal qual um presente etiquetado, podemos dizer que “Os Fabelmans” é “de Spielberg para Spielberg”. O diretor praticamente nos entrega uma autobiografia cinematográfica que tem como foco o relacionamento de sua mãe, Mitzi (interpretada por Michelle Williams), e seu pai, Burt (que ganha vida pela interpretação de Paul Dano).

Apesar de o protagonismo ser de Gabriel LaBelle, que interpreta o personagem Samuel “Sammy”  Fabelman (uma versão jovem de nosso Steven, vivida por Mateo Zoryan, quando criança), o filme dá força à delicada situação familiar, quando o rapaz descobre o romance que sua mãe leva secretamente com o melhor amigo de seu pai, Bernie, papel de Seth Rogen. Completando o elenco principal, ainda temos a presença das três irmãs da família que possuem um peso bem leve no desenvolver da trama.

Entre todo o temporal dramático vivido dentro de casa, a paixão por filmes vai tomando conta da vida de Sammy, o que nos leva conhecer um pouco dos primeiros passos que Steven deu a caminho de ser um dos maiores diretores de nossa geração.

Fruto de uma mãe extremamente criativa e talentosa e de um pai gênio da tecnologia, vemos como as influências familiares resultaram no talento inquestionável do garoto. Podemos dizer que não faltou humildade no roteiro, quando o assunto foi descrever as habilidades que Sammy tem com uma câmera nas mãos. O inverso ocorre quanto ao desenvolvimento de suas irmãs – lamentavelmente, o longa não nos revela se tais atributos influenciaram suas vidas.

“O que ‘Os Fabelmans’ tem de tão especial para atrair tantas críticas positivas nessa temporada?” é a pergunta que todos devem estar se fazendo. Porém, depois de muito refletir sobre a trama, percebo que a genuinidade da uma história tão vulnerável, que faz parte da formação de uma figura histórica – como é Steven Spielberg – é o que faz com que tenhamos tamanha afinidade com a obra.

O filme é gostoso de assistir, é fluido e suas duas horas e meia passam rapidamente. Mas é bem evidente que se trata de uma trama voltada para lembranças e momentos vividos da vida de alguém. Não temos um antagonismo, não há grandes plot twists, mas temos sensações e sentimentos expressos em um produto inteiramente pessoal.

Entre a trajetória da família Fabelman, figurantes que influenciaram a vida dos protagonistas ganham força, mesmo alguns sendo verdadeiras fugas cômicas de um roteiro tão delicado. Quero destacar o tio avô Boris (Judd Hirsch) e a personagem Monica, interpretada por Chloe East (essa, em especial, possui um dos momentos mais hilários em tela).

A trilha sonora assinada por John Williams é sutil, delicada e clássica. Transforma o cenário nostálgico da época em que é ambientada a narrativa, em uma verdadeira fábula. Um verdadeiro sonho. Talvez essa seja a última oportunidade de assistirmos a uma parceria entre Spielberg e Williams antes de aposentadoria do tão aclamado compositor, que está prestes a completar 91 anos.

“Os Fabelmans” é sobre Steven Spielberg, mas mostra que mesmo os grandes ícones de nossa geração possuem feridas que podem fazer parte da história de qualquer cidadão. Possui uma sensibilidade extraordinária, que deixa bem claro que, apesar dos dramas que possamos viver, há também espaço em nossas vidas, para realizar sonhos tão grandes como uma tela de cinema. Steven olhou para o horizonte, seguiu em frente e virou uma lenda.

por Rodrigo Santuci – especial para CFNotícias

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Universal Pictures.