Conferimos o espetáculo “Trava Bruta” no Sesc Belenzinho


A arte nos empodera, nos derruba e nos reconstrói. “Trava Bruta” é uma performance que trata do processo contínuo de destruição e reconstrução de nossa imagem corporal tanto por nós mesmos quanto pela nossa sociedade, processo de remodelamento que pode ser literal e violento.

Leonarda Gluk é uma dramaturga cujos textos e apresentações mesclam diversos estilos artísticos para diversas reflexões, com apresentações tanto no Brasil quanto no exterior, sendo esta a primeira cujo foco é sua vivência como mulher trans.

A construção da nossa imagem em si é por natureza algo complexo e doloroso, num caminho de autodescobertas e de possibilidades que ocorrem ao longo da vida inteira. Somado a isso, toda sociedade tem seus modelos de corpo e comportamentos ideais modelados para cada um, qualquer traço que fuja desses padrões será tratado com misto de fascinação e repúdio, com intensidade proporcional a esse afastamento.

A arte é um meio de permitir a catarse disso tudo, oferecendo forças e caminhos para seguir em frente em um mundo cheio de violência física e mental que tentam nos moldar à força em objetos controláveis.

Inclusive, a arte nos permite reconstruções distintas dos nossos eus. Filtros de imagem, iluminação, figurino, mesmo o ambiente que temos para nos movimentar de novas formas, são utilizadas por Leonarda para brincar com essas várias formas de reconstrução, ao mesmo tempo em que suas falas alternam entre várias estruturas de poética e prosa para nos induzir a reflexão sobre a objetificação das pessoas como puro objeto de prazer ou ódio, que se manifesta de formas próprias na comunidade, na nossa comunidade mais próxima, da nossa própria família, das nossas amizades, ou de nós mesmos.

Você ajuda de forma passiva ou ativa os instrumentos de dominação que violentam mentes e corpos de que fogem dos padrões importantes dos papéis sociais de cada tipo de corpo? Até onde você mesmo se destrói nesse processo? Qual seu papel ativo na construção de empatia pelos outros em seu processo de criação da própria identidade?

Em um mundo onde a tecnologia nos permite reformulações jamais imaginadas dos nossos eus, quem são nossos eus? “Trava Brut”a nos desperta para esses e outros questionamentos em seus 70 minutos de apresentação, tendo estreado em 2020 quando Leonarda completava 25 anos de carreira com seu texto anterior, premiado no Edital de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do CCSP 2019, com apresentações virtuais durante a pandemia e finalmente voltando aos palcos em 2022.

Para quem deseja uma reflexão profunda, não em um documentário ou relato pessoal, mas na forma de experiência artística multifacetada.

“Trava Bruta” segue em cartaz no Sesc Belenzinho, até 07 de agosto.

Crédito das fotos: Silvia Machado.

por Luiz Cecanecchia – especial para CFNotícias