Fomos à “Exposição Movimento Armorial 50 Anos” no CCBB em São Paulo

A linha entre cultura popular e a, dita cultura erudita é tênue, para dizer o mínimo. Ambas se afetam e se entrelaçam formando complexas interações onde se influenciam, gerando novas expressões artísticas ocasionalmente inesperadas. Não é raro que certos movimentos se proponham a fundir propositalmente essas duas visões sobre a arte, que muitas vezes são consideradas opostas, mesmo que não realmente o sejam.

O Movimento Armorial é um exemplo magistral disto.

Surgido em 1970, por tutela de Ariano Suassuna, o Movimento tem como proposta a criação de uma cultura brasileira popular e erudita, e desta forma universal. Assim também é multidisciplinar, como os conhecimentos artísticos de seu tutor, englobando pintura, gravura, escultura, literatura, teatro dança etc. Suas bases se encontram na cultura popular do Nordeste, em particular a Sertaneja, inspirando-se nos repentes, no cordel, na música tradicional, no folclore da região.

É um movimento seminal no estudo da cultura popular, onde esta não é lida por observadores externos que tentam replicar ou auferir significados, mas os próprios artistas estão envolvidos e imersos nesta, e que segue vivo até os dias de hoje, legado por diversos artistas, dentre eles Manuel Dantas Suassuna – filho de Ariano, que mantem a tradição paternal das Aulas-Espetáculo –, João Falcão, e Guel Arraes.

Atrasada pela pandemia de COVID-19, a mostra “Movimento Armorial 50 Anos”, celebra os 50 anos deste seminal movimento artístico, completados que em 2020. Contando com obras dos criadores envolvidos com tal escola, a exposição chega a São Paulo nesta quarta-feira, 20 de julho, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), localizado no coração da capital paulista.

Ao entrar no CCBB, o espectador se verá frente a frente com uma bela homenagem a Ariano, na forma de uma escultura de um símbolo importante na obra deste: a Onça-Caetana, construída pelos bonequeiros Agnaldo Pinho, Carla Grossi, Lia Moreira e Pedro Rolim. A palavra “Caetana” é uma das formas como o sertanejo se refere à Morte, e o animal seria uma das formas que esta assumiria no universo ficcional do artista.

Figura 1: A Onça Caetana

Após esta considerável abertura, o espectador recebe a sugestão de seguir para o quarto andar, este homenageando a obra musical e literária de Ariano Suassuna, e onde se expõe talvez a mais completa e precisa linha do tempo sobre o autor, manuscritos de algumas de suas obras, bem como um de seus grandes objetos de estudo o chamado Alfabeto Sertanejo  – usado para marcar gado e que tem uma função quase heráldica, que, conforme o gado é herdado, pequenas mudanças, como a adição ou subtração de símbolos, são feitas nas letras do ferro de marcar.

Figura 2 – Manuscritos de Ariano Suassuna

Em seguida, o terceiro andar apresenta gravuras e pinturas dos artistas visuais associados ao movimento. Dentre eles, Gilvan Samico, que mesmo sendo mais famoso por suas gravuras, produziu várias pinturas, as quais algumas estão expostas na mostra na sala especial dedicada a ele; Zélia Suassuna, esposa de Ariano, que influenciou e foi influenciada pelo marido, e produziu dentre várias obras, belas tapeçarias, uma das quais compõe o acervo; Fernando Lopes da Paz, com suas esculturas e pinturas; e o próprio Suassuna, lembrado com dois belos álbuns de suas gravuras chamadas Iluminogravuras – neologismo da fusão de iluminura e gravura.

Figura 3 e 4 – Gravura e pintura de Gavin Samico e Tapeçaria de Zélia Suassuna

No segundo andar, podemos ver elementos da produção “A Compadecida”, primeira adaptação cinematográfica da peça de autoria de Ariano Suassuna, de 1969, em particular seus figurinos, assinados por Francisco Brennand. Além dos anteriormente mencionados, a adaptação contou com direção magistral de George Jonas e cenários de Lina Bo Bardi.

Figuras 5 e 6 – Figurinos de “A Compadecida”

No primeiro andar, podemos ver as produções do Grupo Grial, que foi fundado por Suassuna e Maria Paula Costa Rego, para exploração da Dança Armorial, na forma de vídeos de apresentações e figurinos.

Figura 7 – Figurinos do Grupo Grial

Por fim, no subsolo, temos uma mostra das influências do Movimento Armorial: o cordel como do famoso cordelista J. Borges; as festas tradicionais, como o Reisado; a música e a dança, como o Maracatu, o Caboclo de Lança, e o Cavalo-Marinho. Tudo isto para uma visão mais completa do que é e de onde vem o Movimento Armorial.

Figura 8 e 9 – Gravura e molde de J. Borges e Figurino de Reisado

A mostra é de uma qualidade impressionante, e toda a equipe responsável merece elogios, em particular, a idealizadora e produtora Regina Rosa Godoy, e a curadora Denise Mattar, que souberam criar não só uma exposição criativa e bela, mas também didática e com uma visão completa da arte e produção armorial. Merece a visita tanto por amantes da arte, entusiasta da cultura popular, assim como pelo o público leigo.

Crédito das fotos: Ícaro Marques.

Serviço:

Exposição Movimento Armorial 50 anos

De 20 de julho a 26 de setembro. Todos os dias (exceto às terças), das 9h às 20h

Centro Cultural Banco do Brasil – São Paulo

Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico de São Paulo

Entrada Gratuita

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias