Crítica: As Invisíveis


A situação dos moradores de rua é um problema sério que muitos países se veem encarando, com pouca ou nenhuma ação para resolver. Nosso país é um destes: o ultimo senso sobre população em situação de rua, realizado em 2016, apontou que há mais de 101 mil no Brasil. No entanto, devido a uma série de problemáticas, o número é uma estimativa baixa, e está desatualizado, dado que esta população cresceu: somente em São Paulo, de 15.905 subiu para mais de 40 mil, segundo estimativas do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR).

Tais estatísticas são o mínimo de visibilidade que essa população alcança. Para todo o resto são “invisíveis”. São ignorados nas ruas, só vistos quando causam algum problema – que várias vezes é apenas sua própria existência –, sua representação política é mínima (quando não nula) e até mesmo nas estatísticas são ocultados por governos municipais ou estaduais que querem demonstrar “progresso”, que preferem que eles sumam a assumir responsabilidade por sua recuperação.

“As Invisíveis” (Les Invisibles) trata justamente deste problema. Um abrigo diurno para mulheres em situação de rua está à beira de ser desmontado. As assistentes sociais e psicólogas restantes, no entanto, não pretendem desistir da causa destas mulheres, e farão de tudo para que elas encontrem uma saída.

O filme é dotado de uma extrema sensibilidade: as personagens sofrem de maneira realista e sincera, o tema é tratado com sinceridade e seriedade, expondo os problemas não só em relação às dificuldades dessas pessoas, mas também o descaso do governo com elas. Também como consegue captar com naturalidade um elemento difícil de se encontrar nesta situação: o humor.

O roteiro captura o humor inerente de certas situações, mas nunca o transforma em algo exagerado, sempre muito sóbrio. Isso consegue descarregar o clima pesado, e num momento em que a situação é de desespero, nos oferece esperança. Tudo isto resultado do intenso trabalho de pesquisa do diretor Louis-Julien Petit sobre o assunto, além de sua escolha de elenco.

Tal escolha, aliás, foi muito sábia: com exceção de duas, as atrizes representando as sem-teto não tinham experiência na área e foram procuradas pela produção por suas vivências nas ruas e sua reinserção social. São elas: Sarah Suco, que representa a jovem Julie Carpentier, cuja vida consiste em entrar e sair de abrigos, e Marie-Christine Orry, que dá vida a Catherine Paraire, uma senhora que faz com que a assistente social Audrey Scapio (Audrey Lamy) perceba o impacto da situação. O resultado é a entrega de boas atuações, assim como muito verdadeiras.

Porém o mérito não fica apenas pelas novas atrizes, mas também para as mais experientes, além das citadas anteriormente, que representam bem seus personagens, Audrey Lamy está muito bem encaixada como a assistente social que quer ver a reinserção social das abrigadas. Brigitte Sy – apesar de suas poucas aparições – mostra bem o dilema da chefe de departamento que igualmente ver melhoras sociais, mas está presa pelas regras e regulações, além de suas próprias ideias. Mas quem rouba a cena mesmo é Déborah Lukumuena, como filha da coordenadora do abrigo e voluntária neste, com uma atuação muito carismática.

“As Invisíveis” é um filme de grande qualidade, que tem tudo para satisfazer tanto os fãs do cinema francês quanto quem se interessa por longas que abordam causas sociais, graças à sua sensibilidade e realismo.

por Ícaro Marques – especial para CFNotícias

https://www.youtube.com/watch?v=P8yUI-jyarY

*Filme assistido durante Cabine de Imprensa promovida pela Supo Mungam Films.