Crítica: “Suprema”


“Suprema” (On the Basis of Sex) leva para a tela a história pessoal e profissional de Ruth Bader Ginsburg, advogada lutadora pela igualdade de direitos das mulheres nos Estados Unidos. Um dado curioso é que ela nasceu um 15 de março (de 1933), dia que praticamente coincide com a data da estreia deste filme no Brasil. Também é curioso que seja muito próximo do Dia Internacional da Mulher (comemorado em 08 de março).

Além disso, é interessante lembrar que a nível internacional há todo um movimento atualmente a favor de tais direitos. Tudo isso cria um clima propício para o longa. Porém, seus méritos não são externos a ele. Pelo contrário, Suprema” tem valores próprios, para além de climas sociais ou coincidências.

A história dessa mulher é de lutas e perseverança. Primeiro, com a Universidade de Harvard, uma das de maior prestígio no mundo, porém machista. Ruth Bader luta para poder ingressar nela, fazer o curso de Direito e, simultaneamente, realizar seus estudos e ter os cuidados próprios de uma mãe e também de esposa, com seu esposo muito doente. Depois, desempenha o trabalho como professora e se relaciona com pequenos grupos de mulheres com as quais compartilha suas convicções e conhecimentos. E, a seguir, se ocupa de um caso específico onde põe todas suas energias, inteligência e determinação.

Esse caso chegou até a Corte Suprema de Justiça onde a protagonista defendeu a igualdade de direitos para as mulheres, determinando a derrubada inicial de centenas de leis que eram desiguais de acordo com o sexo da pessoa em questão. Acontece que, nesses anos (década de 1930 e seguintes), muitas leis determinavam diferentes direitos segundo fossem homens ou mulheres os implicados.

O espectador pode sentir-se inclinado a pensar que seria melhor definir diferença de “gênero” mais que de “sexo”, principalmente pelas conotações que a segunda palavra pode trazer. Não demora muito tempo em que o próprio filme faz a observação e propõe a modificação.

Para além do apontado, esta é uma realização extremamente cuidada. Em forma e fundo. Ou seja, a obra dirigida por Mimi Leder (com poucos títulos prévios, mas todos com atores de primeira linha), tem uma série de itens que poderíamos denominar como formais muito bem elaborados: fotografia (Michael Grady, trabalhando em geral com cores em tons pastel), edição (Michelle Tesoro), figurino (Isis Mussenden e departamento), trilha sonora (Mychael Danna, já ganhador de um Oscar), maquiagem e penteados (Gina W. Bateman e Michelle Côté, respectivamente), e departamentos de arte e som. A relação anterior não é apenas nominal, mas procura definir em modo resumido a excelência visual e o ritmo preciso da produção.

Utilizamos as expressões “itens formais” ou “aspectos da forma” só para contrastar melhor com os assuntos de fundo, o conteúdo. Mas acontece que fotografia e edição são aspectos da linguagem cinematográfica e decisivos na construção de um filme. Existem até mesmo teóricos que os enfatizam como determinantes, ao ponto de colocá-los como o maior fator, o mais decisivo quando se trata de qualidade artística em cinema.

Neste longa tudo está impecável. A isso deve-se acrescentar a muito boa atuação de Felicity Jones (com antecedentes em uns vinte trabalhos, sendo “Rogue One” o prévio imediato). Armie Hammer acompanha como o esposo e também está um correto e irreconhecível Justin Theroux (aquele violento diretor de cinema de “Cidade dos Sonhos” e “Império dos Sonhos”, ambas do genial e indecifrável David Lynch). Sam Waterston (como um machista durão) e Kathy Bates (uma experiente e excêntrica legista), dentre outros, completam um sólido elenco.

Também é importante mencionar o roteiro, de Daniel Stiepleman. Os diálogos são inteligentes e a trama com argumentações e ideias elaboradas vai estar logicamente relacionada a aspectos legais. Há afirmações citáveis, como a que a protagonista diz à Corte Suprema: “Não pretendemos que a Corte mude o país, mas sim que não obstrua as mudanças que o país já teve”.

Há debates e afirmações intelectuais bastante densos. Por exemplo: Deve ser mudada a cultura ou a lei? Deve mudar a maneira de pensar e logo a lei; O Juiz está errado? Não, a que está errada é esta lei, que é anticonstitucional; Um Juiz não deve ser afetado pelo clima social dessa época; A maneira como um país cobra seus tributos evidencia como é.

A trama pode ser bem acompanhada e só por momentos pode resultar algo cansativa ou confusa. Em geral, o filme é compreensível e tem ritmo exato. Tudo o mencionado se pode resumir com uma expressão aparentemente redundante: um produto harmonioso e com harmonia. Bonito e com conteúdo.

E o objetivo geral é claro e simples: igualdade de direitos para homens e mulheres. Muito pertinente hoje e, no caso de “Suprema”, levado com competência. Título nada trivial e que pode ser desfrutado por público com paladar refinado.

por Tomás Allen – especial para CFNotícias